Show de Bad Bunny é celebração de Porto Rico

“Isto é Porto Rico! Estou muito feliz por vocês!” — foi o que disse Ruth, uma senhora porto-riquenha que acompanhava cheia de entusiasmo o show de Bad Bunny, ao grupo de jornalistas ao seu lado.

Ruth não é a maior fã do cantor do mundo; chegou, inclusive, a ficar chocada com o teor sexual de algumas letras. Mas estava acompanhando a sobrinha, Maria, uma jornalista nascida na ilha e que vive em Nova York, nos Estados Unidos, e se encantou com muito do que viu ali. “Estou muito orgulhosa por ele estar mostrando Porto Rico para o mundo; o mundo está vindo para cá”, disse.

E, de fato, está: a residência de trinta shows de Bad Bunny deve levar pelo menos 196 milhões de dólares a Porto Rico, segundo estimativa da Discover Puerto Rico, uma organização sem fins lucrativos.

O cantor se tornou um herói local: o rosto de Bad Bunny estampa camisetas em lojas de souvenirs até mesmo em vilarejos de praia, mais distantes da capital. O sapo concho, espécie nativa ameaçada de extinção que se tornou símbolo do novo álbum de Bad Bunny, também aparece em imãs de geladeira, miniaturas, chaveiros.

Na capital porto-riquenha, San Juan, é comum encontrar bares com fotos de Bad Bunny nas paredes, principalmente na Placita de Santurce, o centro da vida noturna da cidade. Em um dos bares, um homem vestindo uma cabeça gigante de Bad Bunny faz sucesso nas noites; tem até fila para tirar foto com ele.

Já outro restaurante no centro histórico de San Juan apostou em colocar na fachada fotos enormes de um Benito Antonio Martinez Ocasio criança e adolescente, ou seja, de Bad Bunny antes de virar Bad Bunny. “Benito, celebrando suas raízes”, diz a faixa ao lado das imagens. Os arredores do Coliseo, o estádio onde acontece a turnê, também se transformam horas antes de cada show, com uma pré-festa que lembra uma feirinha de rua cheia de marcas e até apresentações de DJs.

Se as ruas de Porto Rico mostram tanta devoção a Bad Bunny, no palco (ou melhor, nos palcos, já que são dois) de “No me quiero ir de aqui”,  é ele quem se mostra devoto da ilha. Fazer um show com três hora de duração, como é o caso aqui, é uma aposta arriscada; mas essa não é só uma apresentação de Bad Bunny. É uma viagem pelos diferentes ritmos e paisagens de Porto Rico, uma celebração de um povo que luta para manter a sua identidade e, sobretudo no atual momento político, um manifesto.

Porto Rico foi colonizado por espanhóis e se tornou um território americano em em 1898. Na prática, isso significa que os boricuas, as pessoas nascidas lá, têm a cidadania americana, mas não votam para presidente, por exemplo, a não ser que vivam no continente, em algum estado americano. A representação de Porto Rico no Congresso também é extremamente limitada, com apenas um integrante na Câmara dos Deputados, que não tem poder de voto.

As três horas de show levam quem está assistindo em uma viagem por tudo isso. O primeiro palco lembra a fauna da região, com destaque para um enorme flamboyant, árvore debaixo do qual Benito canta canções mais tranquilas. Já em “El Apagón”, faixa sobre um dos principais problemas da ilha, Bad Bunny transforma o estádio em uma grande balada com luzes piscantes. É impossível não gritar junto: “Puerto Rico está bien cabrón!”

A balada continua quando o show passa ao segundo palco, La Casita. É lá que o espetáculo se transforma em uma house party: Benito chega, pega uma bebida, e sai cantando e dançando ao lado de amigos e celebridades. Já estiveram na casita nomes como Penelope Cruz, Javier Barden, Ricky Martin e Ana de Armas. Na casita, Bad Bunny ainda canta com outros artistas latinos e até sai de cena, cedendo o espaço para eles. Benito também canta um de seus maiores hits, “Titi me preguntó”, ali. A música narra uma conversa com a tia em que ele conta que tem, sim, mucha novia (muitas namoradas) – pero no hay boda (mas sem casamento).

O show termina de volta ao primeiro palco, como se Benito estivesse voltando às raízes. Em “La Mudanza”, conta sua história desde quando os pais, um motorista de caminhão de mudança, e a mãe, professora de inglês, se conheceram. “Un aplauso para mami e papi”, canta. E todo mundo aplaude, mesmo.

No último bloco, Bad Bunny concentra os hits do álbum lançado em 2025, o DtMF – inclusive a faixa-título. No começo do ano, a música chegou a se popularizar em Gaza, com palestinos publicando nas redes sociais vídeos do enclave como era antes da destruição ao som do refrão de Bunny: “Debí tirar más fotos de cuando te tuve” (“Deveria ter tirado mais fotos quando te tinha”).

Nesse momento, a comoção é geral no estádio: pessoas se abraçando e cantando com lágrimas nos olhos. Ruth (lá do comecinho do texto), depois de ter se sentado durante as baladas na Casita, se levantou de novo para ver Bad Bunny cantar ao lado do Los Sobrinos, conjunto de salsa formada por jovens portorriquenhos. “Agora ela gosta de novo do show”, disse Maria, a sobrinha.

“No me quiero ir de aqui” tem se popularizado tanto e levado tantas pessoas a Porto Rico porque é fácil se contagiar por alguém que, com uma declaração tão orgulhosa sobre não querer sair de onde veio, se abre para o mundo.

FONTE

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *