O STF (Supremo Tribunal Federal) volta a julgar pela primeira vez na história, nesta terça-feira (9), um ex-presidente da República por tentativa de golpe de Estado.
O ex-mandatário Jair Bolsonaro (PL) compõe o banco dos réus do chamado “núcleo crucial” que teria supostamente tentado estender seu governo mesmo após perder uma disputa pela reeleição.
O Supremo, órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil, decide sobre as principais ações que afetam a ordem jurídica do país.
Conhecida como “guardiã da Constituição”, a Corte já julgou processos históricos como escândalos de corrupção, a extradição de um cidadão estrangeiro condenado por homicídio e o aborto em casos específicos.
Extradição de Cesare Battisti (2009)

Um dos casos relevantes reconhecidos pelo Supremo é a extradição do cidadão italiano Cesare Battisti, preso no Brasil e condenados por quatro crimes de homicídio na Itália.
A defesa de Cesare alegou perseguição política e pediu para que o processo fosse anulado. O STF, por sua vez, entendeu que Battisti foi julgado com base em crimes comuns e que não tinham conotação política.
O italiano era membro do grupo militante de esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). O organismo foi acusado de crimes violentos durante os anos 1970, conhecidos como “Anos de Chumbo” na Itália, período marcado por conflitos entre grupos extremistas de esquerda e de direita.
O relator do caso foi o ex-ministro Cezar Peluso. Apesar da decisão tomada pelo Supremo, em 2010, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, negou a extradição. Apesar do julgamento, a extradição é considerada um ato de soberania, que deve ser executado pelo chefe de Estado.
Contudo, em 2018, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ato foi revogado. Cesare Battisti fugiu então do Brasil e foi capturado na Bolívia em 2019, sendo extraditado para a Itália.
Reconhecimento do casamento homoafetivo (2011)

Em 2011, o Supremo julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade e uma arguição de descumprimento — ação que regula a constitucionalidade de atos do Poder Público que desrespeitem princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988 — para reconhecer o casamento homoafetivo.
O relator do caso foi o ex-ministro Ayres Britto. A decisão se baseou no direito à igualdade e na vedação constitucional à discriminação injustificada, que impedem que se dê a casais homoafetivos tratamento diverso daquele conferido a casais heteroafetivos.
Além disso, o STF também explica que a Constituição não restringe núcleos familiares a casais formados por homens e mulheres, também podendo ser composto por pessoas do mesmo sexo, tendo seus direitos reconhecidos.
O julgamento resultou, em 2013, em uma edição de uma resolução legal pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para impedir que cartórios pelo país se recusem a converter uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo em casamentos ou até mesmo a celebrá-los.
Interrupção da gravidez em caso de feto com anencefalia (2012)

Outro julgamento histórico no Supremo Tribunal Federal foi o que descriminalizou a interrupção da gravidez — conhecida popularmente como aborto — em casos de fetos com anencefalia.
A anencefalia é uma condição congênita, na qual o feto apresenta grave deficiência neurológica, que compromete as funções do córtex e dos hemisférios cerebrais e resulta na falta de sensibilidade, mobilidade e integração de quase todas as funções corporais.
O STF entendeu que a condição torna inviável a vida fora do útero e, portanto, não há motivo para defender o direito à vida, porque não há potencialidade de uma. O Supremo também acrescentou que a situação gera sofrimento para a gestante e que, por conta disso, a mulher tem o direito de decidir sobre a gravidez de forma autônoma.
A decisão ainda acrescenta que criminalizar a interrupção da gravidez nesse caso é uma “afronta” aos direitos à dignidade, autonomia e saúde, e que o Brasil é um Estado laico. Portanto, suas leis devem ser pautadas por neutralidade religiosa.
O relator foi o ex-ministro Marco Aurélio Mello.
Mensalão (2012)

Em 2012, o Supremo julgou um dos maiores escândalos de corrupção do país. A denúncia recebida pela Corte descrevia o esquema de pagamento de vantagens indevidas a parlamentares em troca de apoio político no Congresso Nacional, conhecido como Mensalão.
A decisão final entendeu que foram identificados pagamentos para o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, do PT, além de outros deputados federais. O pagamento era efetuado por sócios da agência de publicidade ligada ao esquema.
O STF entendeu que os repasses comprovavam os crimes de corrupção ativa e passiva. Já o crime de peculato foi identificado pelo desvio de recursos públicos utilizando contratos e “subcontratações” e publicidade fraudulentos.
Além disso, os ministros chegaram à conclusão de que havia incompatibilidade entre os serviços prestados e os valores recebidos pelos contratos. As informações surgiram de equipes de auditoria de diferentes órgãos.
O processo também incluiu lavagem de dinheiro por meio da ocultação e a dissimulação da origem criminosa dos valores recebidos.
O relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, se aposentou dois anos após o julgamento, aos 59 anos.
O Supremo acabou condenando 24 dos 38 réus. Em 2021, todos já haviam ao menos deixado o regime fechado. Alguns réus, como João Paulo Cunha, foram futuramente absolvidos.
Marco Temporal (2023)

Em 2023, o STF julgou um recurso extraordinário sobre o Marco Temporal. O Marco é uma tese jurídica que surgiu após um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) de 2009 sobre a demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima.
Ele afirma que os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
O recurso discutia sobre a área de ocupação que poderia coincidir com uma área privada ou de reserva biológica.
O Supremo rejeitou a tese do Marco Temporal e decidiu que as terras tradicionalmente ocupada por povos indígenas pertencem aos mesmos como direito originário. O Tribunal argumentou que a posse indígena é diferente da civil, que possui um caráter econômico, enquanto a indígena exerce um caráter cultural para a própria subsistência.
Dessa forma, ficou decidido que a ausência de uma comunidade indígena no momento da promulgação da constituição não afasta seu direito ao território.
O relator do caso, ainda ativo no Supremo, é o ministro Edson Fachin, pertencente à Segunda Turma da Corte. Em junho de 2025, o STF encerrou audiências de conciliação sobre ações que questionavam a derrubada do marco.
Julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (2025)

Agora, o Supremo entra na fase final do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus em um processo criminal que apura uma tentativa de golpe de Estado no país.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) acusa o ex-presidente Jair Bolsonaro de liderar uma organização criminosa armada e de organizar um plano para se manter no poder após perder a disputa pela reeleição em 2022.
O caso envolve, segundo argumenta a Procuradoria, a utilização de órgãos públicos como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para desacreditar o sistema eleitoral, além do monitoramento de autoridades contrárias ao antigo governo e um plano para assassinar o atual presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Bolsonaro é julgado pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin (presidente do colegiado) e Luiz Fux.
O ex-presidente responde pelos seguintes crimes:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
- Deterioração de patrimônio tombado.
Caso seja condenado, Bolsonaro pode pegar mais de 40 anos de prisão, se todas as penas máximas forem somadas. Caso seja condenado, a pena deve ser definida no apenas no último dia de julgamento.