Um novo relatório divulgado pela Human Rights Watch (HRW) nesta terça-feira (22) revela condições “desumanas” enfrentadas por imigrantes presos em centros de detenção no sul da Flórida.
Alguns imigrantes que aguardam deportação no Centro Federal de Detenção de Miami foram forçados a comer com as mãos algemadas atrás das costas, situação que descreveram como humilhante e degradante.
O relatório documenta que no Centro de Processamento de Serviços Norte de Krome, no Centro de Transição de Broward (BTC) e no Centro Federal de Detenção de Miami, os detidos enfrentam superlotação, insalubridade e falta de acesso a atendimento médico adequado.
O relatório da HRW baseia-se em entrevistas com pessoas que estão ou estiveram recentemente detidas, além de familiares e advogados, e também analisou dados oficiais do ICE. A CNN verificou as denúncias de forma independente.
As duras políticas de imigração do governo de Donald Trump, que prometeu realizar uma “deportação em massa”, somadas à crescente pressão sobre o ICE para aumentar prisões e deportações, levaram a um aumento significativo no número de pessoas detidas.
Atualmente, cerca de 57 mil pessoas estão sob custódia do ICE, segundo dados federais obtidos pela CNN.
Embora o governo diga que se concentra em deter “os piores dos piores”, os dados federais mostram que a maioria dos imigrantes detidos não possui condenações criminais graves.
Segundo o relatório da HRW, o número de detidos quase dobrou em comparação com o ano anterior, atingindo o nível mais alto da história do país. Nos três centros de detenção na Flórida citados no relatório, a população detida cresceu 111% desde a chegada de Trump à Casa Branca.
“Tivemos que comer como animais”
Dois imigrantes entrevistados pela HRW que estiveram no Centro Federal de Detenção, localizado no condado de Miami-Dade, descreveram um episódio “humilhante” no qual dezenas de homens ficaram aglomerados em uma cela durante horas e só receberam o almoço por volta das 19h.
Harpinder Chauhan, um empresário britânico detido pelo ICE durante uma consulta regular de imigração, contou que foram obrigados a comer enquanto estavam algemados com as mãos presas atrás das costas.
“Tivemos que nos curvar e comer das cadeiras com a boca, como cães”, disse. Pedro, outro imigrante, acrescentou: “Tivemos que comer como animais”.
A HRW denuncia que o tratamento degradante por parte dos agentes do ICE e dos seguranças de empresas privadas é comum nos três centros de detenção.
Em Krome, onde mulheres foram detidas mesmo o centro sendo exclusivo para homens, uma argentina relatou que os banheiros estavam expostos e visíveis para os detentos das celas ao lado. “Se os homens subissem numa cadeira, podiam ver diretamente nosso quarto e o banheiro”, afirmou.
Celas superlotadas, atendimento médico precário e condições insalubres
Os relatos recolhidos pela Human Rights Watch descrevem pessoas dormindo no chão frio de cimento, em quartos projetados para abrigar menos indivíduos, sem roupas de cama e sem acesso a higiene básica.
Devido à superlotação, “os detidos tinham que dormir no chão de cimento, que era gelado, sob uma luz fluorescente constante”, diz o relatório.
Um homem relatou ter dormido ao lado de um vaso sanitário, numa cela tão cheia que os detentos precisavam pisar uns nos outros para se mover. Outro afirmou que ficou 20 dias seguidos sem acesso a água e sabão.
Desde janeiro de 2025, a população detida em Krome triplicou, segundo a HRW, atingindo quase três vezes a capacidade operacional do centro.
Embora Krome tenha capacidade para cerca de 600 pessoas, em abril abrigava mais de 670, conforme dados mais recentes do ICE.
O relatório também destaca a falta de tratamento médico, inclusive para detentos com doenças crônicas como diabetes, asma e HIV.
Entrevistados pela HRW também relataram que pedir ajuda aos agentes poderia resultar em punição.
“Se você pede ajuda, eles te colocam em confinamento solitário. Se chorar, podem te deixar lá por duas semanas. Por isso as pessoas preferem ficar em silêncio”, relatou uma mulher.
Além disso, ao menos duas mortes recentes, uma em Krome e outra no BTC, podem estar relacionadas à negligência médica, segundo a HRW.
Os investigadores da HRW afirmam que as condições descritas no relatório configuram violações flagrantes e sistemáticas dos padrões internacionais e das próprias normas do governo dos EUA para detenções por motivos migratórios.
O relatório alerta ainda que a política do governo Trump, focada nas “deportações em massa”, continuará a aumentar o número de imigrantes detidos em instalações que não têm capacidade para recebê-los, o que pode “agravar ainda mais” a situação.
O relatório da HRW foi divulgado semanas após o governador da Flórida, Ron DeSantis, inaugurar ao lado de Trump a polêmica prisão conhecida como “Alcatraz dos Jacarés” na região pantanosa de Everglades.
Essa instalação, construída em tempo recorde, também tem sido criticada por defensores dos direitos dos imigrantes, que acusam DeSantis de construir uma prisão “projetada para infligir sofrimento”.
A CNN entrou em contato com o Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês) para solicitar comentários e aguarda uma resposta.