Países temem estratégia chinesa para tarifaço por “enxurrada” de produtos

Com o aumento constante das tarifas americanas sobre as importações chinesas no início deste ano, Derek Wang se preparou para grandes transtornos.

Com a paralisação das encomendas dos EUA, Wang, de 36 anos, que vende utensílios de cozinha inteligentes na província de Guangdong, no sul da China, procurou outras alternativas para preencher a lacuna.

Depois de encontrar novos compradores no Brasil, Japão, Malásia e Camboja, ele aprendeu o que descreve como uma lição fundamental: “Nada é mais importante do que os mercados próximos a nós.”

Histórias como a de Wang se repetiram por toda a economia da China, onde empresas, grandes e pequenas, se esforçaram para preencher o vazio deixado pelas tarifas que prejudicaram as exportações chinesas para o mercado americano.

O resultado foi um golpe de mestre para a gigante comercial chinesa.

Em vez de ver as exportações definharem devido à perda de negócios com os EUA, o maior fabricante do mundo as impulsionou ainda mais para outros mercados – aproveitando a presença econômica global do país e as proteções cambiais que as empresas fizeram durante a primeira guerra comercial de Trump.

Fábrica em Ganzhou, China • 14/08/2025. REUTERS/Florence Lo/File Photo
Fábrica em Ganzhou, China • 14/08/2025. REUTERS/Florence Lo/File Photo

Essa resiliência deu a Pequim confiança nas negociações que se arrastavam há meses, as quais culminaram em outubro, quando os líderes Donald Trump e Xi Jinping se encontraram e concordaram com uma trégua que reduz as novas tarifas sobre produtos chineses para 20%.

Mas essa iniciativa também coloca a China no caminho certo para superar o enorme superávit comercial global de quase US$ 1 trilhão do ano passado – um saldo que irritou governos em todo o mundo e que, em primeiro lugar, desencadeou a guerra comercial de Trump.

Já existiam dúvidas sobre a sustentabilidade da ofensiva exportadora da China antes mesmo dos dados divulgados na semana passada mostrarem que as exportações sofreram uma contração inesperada de pouco mais de 1% em outubro, em comparação com o mesmo período do ano anterior – a primeira queda desde fevereiro.

A capacidade da China de manter seu nível de exportações para o resto do mundo – e de expandir novamente para o mercado americano após a recente trégua – é uma questão crucial para a segunda maior economia do mundo, que continua a enfrentar uma demanda fraca de seus próprios consumidores, mas que aposta ainda mais no setor manufatureiro como sua base econômica.

Porto de Yantian em Shenzhen, China • 09/05/2025. REUTERS/Tingshu Wang/ File Photo
Porto de Yantian em Shenzhen, China • 09/05/2025. REUTERS/Tingshu Wang/ File Photo

Até agora, neste ano, a mudança nos fluxos de exportação da China tem sido drástica – e enviou uma mensagem clara de que, para a China, os EUA não são insubstituíveis.

Embora as exportações para os EUA tenham caído quase 18% nos primeiros 10 meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2024, elas aumentaram mais de 7% para a União Europeia, 14% para os países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) e 26% para a África, de acordo com dados alfandegários chineses divulgados na semana passada.

No geral, as exportações cresceram 5,3%.

No Sudeste Asiático, esse comércio foi impulsionado por grandes aumentos nas exportações de máquinas-ferramenta, peças automotivas e componentes de computador.

Na África, máquinas de construção e tecnologias verdes têm sido exportações importantes, segundo analistas, enquanto partes da América Latina registraram crescimento significativo em veículos elétricos, fertilizantes químicos e eletrônicos, entre outras áreas.

Essa máquina comercial estava a todo vapor antes do início da guerra comercial.

Já considerada uma superpotência manufatureira mundial, a rápida ascensão da China ao domínio de tecnologias verdes como veículos elétricos, baterias de íon-lítio e painéis solares impulsionou a demanda de países que buscam a conversão para energia renovável a baixo custo – e a preocupação daqueles que acusam a China de concorrência desleal com produtos subsidiados.

Fábrica da GAC em Guangzhou, na China • Divulgação/ GAC
Fábrica da GAC em Guangzhou, na China • Divulgação/ GAC

“A China se preparou muito bem para isso”, disse Jacob Gunter, que dirige o programa de economia e indústria do think tank MERICS em Berlim.

“Não foi nenhum milagre de previsão prever que os Estados Unidos intensificariam, com o tempo, seu conflito comercial e tecnológico com a China, mas a China já estava expandindo seus mercados antes do início da guerra comercial e tecnológica, e desde então, essa tendência se acelerou bastante”, disse ele.

Mesmo com muitas empresas tendo que se esforçar para desviar negócios do mercado americano nos últimos meses, especialistas dizem que as bases para essa mudança foram lançadas pelo esforço de décadas de Pequim para expandir sua presença econômica global – ampliando o comércio e financiando portos, terminais e rodovias no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota de Xi.

Isso também se baseou em uma iniciativa anterior de empresas chinesas para transferir as cadeias de suprimentos e os centros de produção da China para áreas do Sudeste Asiático e do México – para onde as mercadorias são enviadas da China para serem fabricadas ou finalizadas.

“Essa é a chave para a chamada resiliência das exportações chinesas”, disse Yao Yang, reitor do Instituto Avançado de Finanças Di-shui-hu da Universidade de Finanças e Economia de Xangai, que observou que esses investimentos começaram durante o primeiro mandato de Trump.

“Sem esses investimentos no exterior, não creio que a China consiga lidar com o choque.”

Carregamento de soja brasileira com destino à China • . REUTERS/Paulo Whitaker/File Photo
Carregamento de soja brasileira com destino à China • . REUTERS/Paulo Whitaker/File Photo

Mas a resiliência comercial de Pequim também gerou temores de que uma enxurrada de produtos chineses em outros mercados acabe com as indústrias nacionais.

Os países têm retaliado com investigações sobre produtos chineses.

Os EUA e a Índia, assim como o México e o Brasil, juntos, instauraram 79 processos antidumping e de medidas compensatórias contra produtos chineses no primeiro semestre deste ano – um aumento significativo em relação aos anos anteriores a 2024, segundo dados da Organização Mundial do Comércio.

Há também apelos para que as exportações ou a relocalização de fábricas sejam acompanhadas por maiores níveis de investimento local, transferência de conhecimento e um comércio mais equilibrado.

Para alguns países da América Latina, “a desindustrialização é um grande problema quando as empresas chinesas começam a investir… porque elas trazem apenas a montagem, não fazem transferência de tecnologia e conhecimento”, disse Diego Rodriguez, líder da área de logística e indústria da Americas Market Intelligence, uma empresa de pesquisa em Miami, observando que países como o Brasil estão reagindo a isso.

No Sudeste Asiático, o aumento do fluxo de mercadorias é motivo de preocupação, segundo Rebecca Sta Maria, ex-diretora executiva do secretariado da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico.

“Sentimos como se estivéssemos sendo inundados. Lembro-me de uma economia que falou em um ‘tsunami de produtos chineses entrando na ASEAN’. É claro que isso nos preocupa”, disse Sta Maria, atual diretora do Instituto para a Democracia e Assuntos Econômicos em Kuala Lumpur.

Mas nem tudo era negativo, acrescentou, pois pequenas e médias empresas estavam usando componentes de alta qualidade da China, tornando seus produtos mais competitivos.

Chegada do trem de Kim Jong-un na China • Reprodução/Reuters
Chegada do trem de Kim Jong-un na China • Reprodução/Reuters

“Sei que o governo chinês reconheceu (a preocupação) até certo ponto, então agora a questão é como vamos lidar com isso?”

Pequim nega as acusações de que seus produtos estejam inundando os mercados.

Em vez disso, seus representantes aproveitaram a reformulação do comércio global promovida por Trump para destacar a China como um parceiro comercial confiável, ao mesmo tempo em que prometeram abrir ainda mais seu vasto mercado para exportadores e investidores de todo o mundo.

Na África, “é uma via de mão dupla”, disse David Omojomolo, analista de mercados emergentes da Capital Economics.

“Esses países (na África) querem se industrializar… existe uma enorme lacuna no fornecimento de eletricidade em todo o continente – os painéis solares são baratos e a China tem capacidade ociosa… eles precisam enviá-los para algum lugar, então é claro que a África vai se beneficiar.”

Mesmo assim, os fabricantes em toda a China têm tido dificuldades para preencher a lacuna deixada pela queda nas exportações dos EUA.

A costureira Zhang Peipei, da província de Jiangxi, disse à CNN que conseguiu manter seu negócio de 20 anos à tona graças a pequenas fontes de receita vindas de fora dos Estados Unidos.

Mas ela afirma que as imprevisíveis políticas tarifárias americanas já causaram um “impacto grave e irreversível a longo prazo”, sem alternativas claras.

Com seu negócio agora dependendo de conseguir fechar acordo com compradores no México, Zhang disse que não se sentia “muito confiante”, mesmo com um possível retorno de alguns negócios com os EUA, “já que os EUA têm agitado o cenário do comércio exterior, o mundo todo está um caos agora”.

E há dúvidas sobre se os robustos dados comerciais da China este ano refletem uma demanda real ou uma estratégia de curto prazo para retirar mercadorias do país, a fim de estocá-las ou enviá-las aos EUA por meio de um terceiro país com tarifas mais baixas.

“Ainda assim, não estou totalmente confiante de que a demanda final por todas essas (outras) exportações destinadas ao Sul Global vá de fato permanecer nesses países”, disse ele, observando que os exportadores também podem estar acumulando estoques no exterior enquanto aguardam o desenrolar das negociações comerciais entre os países e os EUA.

“A grande ressalva”, acrescentou ele, “é que as margens dos exportadores chineses estão quase certamente sendo comprimidas… eles estão mantendo altos volumes em termos reais, mas estão fazendo isso reduzindo os preços.”

A recente trégua entre Xi e Trump mantém as tarifas sobre produtos chineses em torno de 47% em média, mas pode resultar no retorno de mais negócios americanos.

Mas, como a incerteza persiste na economia global, um dos principais focos na China, tanto nas fábricas quanto no governo, será expandir a quantidade de produtos fabricados internamente que os consumidores do país compram.

Esse é o caso de Wang, o fabricante de utensílios de cozinha em Guangdong.

Apesar de ter conquistado novos clientes fora dos EUA, ele também está fazendo outra mudança estratégica, direcionando mais negócios para o mercado interno chinês e menos para o exterior, afirmou.

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