O plano dos EUA para a Ucrânia pode acabar com a guerra? Entenda

Reuniões na Suíça. Negociações nos Emirados Árabes Unidos. Uma possível visita do presidente ucraniano aos Estados Unidos.

E ainda assim, apesar da recente enxurrada de diplomacia para encerrar a guerra na Ucrânia e de autoridades divulgando desenvolvimentos promissores, na maioria das vezes, em briefings fora dos registros oficiais, é difícil afirmar se um acordo está realmente próximo de ser alcançado. As demandas principais de cada lado permanecem as mesmas.

A administração Trump está pressionando fortemente para alcançar um acordo histórico, mas o presidente russo Vladimir Putin e seus representantes não deram nenhum sinal de que querem que o conflito de anos termine em um acordo.

Agora, um oficial dos EUA informou a repórteres em um grupo fechado que a Ucrânia concordou com uma proposta de paz – que pode ou não ser atraente para a Rússia – mesmo enquanto o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky afirmou que “muito trabalho ainda está por vir”.

Isso ocorre depois que oficiais ucranianos e europeus se opuseram fortemente e, em seguida, revisaram o plano de paz de 28 pontos com o qual foram surpreendidos na semana passada, que foi elaborado pelos EUA com uma aparente forte influência da Rússia.

O que sabemos até agora sobre a primeira rodada de propostas é que o Kremlin ainda está pressionando por seus objetivos, como a desmilitarização da Ucrânia, a proibição de sua entrada na Otan e a reivindicação formal de parte de seu território.

A Ucrânia ainda busca uma via viável para adesão à Otan e quer evitar ceder território. O país e seus aliados europeus são publicamente inflexíveis ao afirmar que a paz não pode significar subordinação à Rússia.

Entre essas linhas vermelhas profundamente entrincheiradas, há espaço para negociação?

Qual é a novidade sobre o plano?

A diplomacia parecia estar em um certo impasse até que um novo rascunho de 28 pontos vazou amplamente na semana passada.

O que se seguiu foi uma intensa crítica, pois o documento parecia ser uma “lista de desejos” do lado russo, o que levou a Casa Branca a se manifestar, afirmando que o texto era resultado de um mês de trabalho entre o Secretário de Estado Marco Rubio e o enviado do Presidente dos EUA, Donald Trump, Steve Witkoff, com contribuições tanto dos russos quanto dos ucranianos.

Após intensas negociações nesta semana com a Ucrânia e aliados europeus, o rascunho foi, segundo informações, reformulado e reduzido para apenas 19 pontos, com algumas das disposições consideradas inaceitáveis por Kiev removidas.

Algumas das propostas mais polêmicas – incluindo questões relacionadas ao território e à Otan – foram retiradas por completo, para que Trump e Zelensky possam discutir mais tarde, disse o vice-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Sergiy Kyslytsya, ao Financial Times.

A redação exata do último rascunho ainda é desconhecida.

Quais os pontos são considerados obstáculos?

A Rússia quer obter o controle total e formal das regiões orientais da Ucrânia, Donetsk e Luhansk. Isso significaria que a Ucrânia teria que abrir mão de partes fortemente fortificadas de Donetsk, que ainda controla e são vistas como essenciais para sua defesa.

A Ucrânia tem repetidamente descartado a ideia de ceder territórios que a Rússia não controla. No entanto, Kiev já havia aceitado a ideia de que um cessar-fogo temporário poderia ocorrer ao longo das linhas de frente atuais – o que poderia efetivamente consolidar a ocupação russa do território que ela controla.

As propostas dos EUA, vistas pela CNN, sugerem que a área do “cinturão fortificado” do leste da Ucrânia poderia se tornar uma zona desmilitarizada, que seria controlada pela Rússia, mas suas forças militares concordariam em não entrar.

É difícil imaginar como Zelensky poderia aceitar isso após anos de conflito, como a CNN já escreveu anteriormente, mas, em teoria, isso poderia representar uma área de potencial movimento diplomático.

A letra miúda será crucial, especialmente no que diz respeito ao que a Rússia controlaria de fato – na realidade – em comparação com o que ela controlaria de acordo com o direito internacional.

Os aliados europeus reforçaram que as fronteiras da Ucrânia não podem ser alteradas à força.

A Ucrânia também mantém firmemente suas exigências por garantias de segurança credíveis e suas aspirações de ingressar na Otan.

Mas outra das principais “linhas vermelhas” de Putin é qualquer coisa que mantenha a porta aberta para a adesão da Ucrânia à Otan. Moscou quer que Kiev enfrente um limite em suas forças armadas e que consagre em sua constituição que não se juntará à aliança militar transatlântica nem permitirá que forças da Otan sejam estacionadas em seu território.

A versão original do plano de paz redigido pelos EUA previa a restrição de uma futura expansão da Otan, o que foi posteriormente retirado na contraproposta europeia. Ainda não está claro o que envolve a proposta mais recente.

A flexibilidade nesses pontos pode surgir na forma de como seriam as garantias de segurança credíveis e não relacionadas à Otan para a Ucrânia. O plano original dos EUA propôs “garantias de segurança confiáveis” para a Ucrânia e detalhou cenários específicos que resultariam em uma resposta coordenada de segurança dos EUA.

Ainda não se sabe se a Ucrânia estaria disposta a aceitar algum tipo de garantia modelada no Artigo Cinco da Otan, mesmo que isso signifique que o país não poderá formalmente ingressar na aliança tão cedo.

As garantias de segurança estariam, segundo relatos, sendo detalhadas em um acordo anexo separado.

O almirante James Stavridis, ex-Comandante Supremo das Forças Aliadas da Otan, especulou à CNN: “Você poderia meio que contornar a questão que diz respeito a não ter tropas da Otan ao não colocá-los sob comando da Otan.”

“Você poderia ter um cenário em que, bilateralmente, os ucranianos admitissem um contingente da Polônia, um grupo da Estônia, Letônia, Lituânia, os países nórdicos… sob suas próprias bandeiras nacionais. Eles poderiam, então, constituir uma espécie de alerta,” afirmou ele, o que poderia aliviar as preocupações da Ucrânia, embora, por outro lado, desencadear objeções russas.

O que mudou desde a última grande pressão diplomática?

A administração Trump renovou essa última pressão diplomática após conseguir sucesso na negociação de um cessar-fogo em Gaza. Mas praticamente nada mudou na posição do Kremlin desde a última grande pressão diplomática, quando Trump recebeu Putin no Alasca.

Nenhum acordo foi alcançado em Anchorage, e Trump posteriormente abandonaria a ideia de uma segunda cúpula na Hungria. Na época, autoridades dos EUA disseram à CNN que acreditavam que a posição de Putin sobre o fim da guerra não havia mudado significativamente.

O que mudou é que a Rússia tem ganhado terreno de forma gradual no campo de batalha na Ucrânia. O conflito se tornou uma guerra de exaustão, o que favorece as forças armadas maiores da Rússia.

“Claramente, eles acham que estarão em uma posição para ditar as condições para a Ucrânia, em vez de simplesmente negociar”, disse John Lough, chefe de política externa do think tank New Eurasian Strategies Centre, à CNN. “Tenho dificuldade em ver outras concessões que estariam realmente dispostos a fazer.”

Lough afirmou que se sente “desanimado” quanto às perspectivas de uma paz emergir em breve, mas acrescentou uma observação sobre o atual cálculo diplomático do Kremlin: “Acho que há uma questão para Putin… se ele quer perder a oportunidade de se beneficiar da ajuda de Trump – porque, em algum momento, Trump vai se cansar de lidar com isso e não vai mais investir esforço nisso.”

Para a Ucrânia, o que mudou é a crescente pressão sobre a administração de Zelensky após um escândalo de corrupção, que gira em torno de supostos subornos de contratantes, incluindo aqueles que trabalham para proteger a infraestrutura energética da Ucrânia.

O escândalo resultou na queda de dois ministros de Zelensky e envolveu um de seus antigos associados de negócios. Apesar disso, embora suas taxas de aprovação não sejam tão altas quanto nos primeiros meses da guerra, ele continua amplamente popular entre os ucranianos.

O que acontece a partir deste ponto?

A Casa Branca tem tentado transmitir otimismo e afirmou que “alguns detalhes delicados” exigirão mais negociações. Mas, já no final da terça-feira, na Europa, as avaliações eram mais sóbrias.

Uma fonte ucraniana com conhecimento direto das negociações disse à CNN que “seria muito errado dizer que agora temos a versão que é aceita pela Ucrânia”. O Secretário de Segurança Nacional da Ucrânia, Rustem Umerov, adotou um tom igualmente comedido, dizendo apenas que as delegações haviam “chegado a um entendimento comum”.

Qualquer avanço que tenha ocorrido ainda pode ser anulado por uma resposta desfavorável da Rússia.

O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, disse na terça-feira que qualquer plano alterado deve refletir o “espírito e a letra” da cúpula do Alasca, realizada no início deste ano – uma indicação preliminar de que a Rússia não será favorável a compromissos na redação do plano.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, manteve sua mensagem simples, dizendo que ainda não receberam informações oficiais sobre o plano alterado e que ele “não tinha nada a reportar” sobre as negociações dos EUA com os delegados russos em Abu Dhabi.

Muitos analistas continuam expressando ceticismo quanto à possibilidade de um acordo ser alcançado, dado a falta de interesses comuns.

“A guerra geralmente termina quando ambos os lados estão exaustos e têm mais a ganhar ao acabar com o combate do que ao continuá-lo. Ambos estão cansados. Especialmente os ucranianos; mas não cansados o suficiente para aceitar tais termos, um ato que poderia levar à queda de Zelensky por protestos populares”, escreveu Greg Mills, um dos pesquisadores sêniores do Royal United Services Institute (RUSI), em relação ao rascunho de 28 pontos.

Umerov acrescentou que a Ucrânia estava ansiosa para organizar uma visita de Zelensky aos Estados Unidos para “concluir os passos finais e fechar um acordo com o presidente Trump”.

Em resumo, haverá mais reuniões.

*Matthew Chance, Oren Liebermann, Natasha Bertrand e Victoria Butenko, da CNN, contribuíram para esta reportagem.

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