O crime que mudou uma família
Há 23 anos, a vida de uma família tradicional cuiabana foi despedaçada por um crime brutal. Rivelino Brunini, radialista de 32 anos, foi executado com sete tiros. Ao lado dele, Fauze Rachid, amigo da família, também foi atingido e morreu. O episódio marcou uma geração e até hoje ecoa como ferida aberta.
A dor da viúva
Jornalista: Dona Ângela, como a senhora ficou depois daquele dia?
Ângela: Fiquei viúva… e com dois filhos órfãos. Um tinha apenas 6 anos, o outro 11.
Nossa família foi dilacerada. Minha cunhada, que teve coragem de depor, precisou deixar o país e até hoje vive fora, por medo de represálias. Outros parentes mudaram de cidade, de estado, tentando recomeçar a vida longe do terror. Afinal, estávamos falando do Arcanjo! Na época, ele era considerado o homem mais temido do estado, estampado nos jornais como “o chefão do crime em Mato Grosso”.
A voz do filho mais novo
Jornalista: Mychael, você era o filho mais novo na tragédia. Como você se sente hoje?
Mychael: Sabe o que eu diria ao Arcanjo? Eu não desejo o mal dele. Eu o perdoo. Conheci o amor de Cristo e aprendi o valor do perdão. Perdoei os assassinos do meu pai!
Mas confesso: dói. Hoje, como pai de duas meninas pequenas que precisam de cuidados especiais, eu entendo ainda mais o quanto fez falta a presença do meu pai na minha vida. A parte jurídica eu não entendo, sou leigo. Só queria que essa página fosse virada de forma justa. São 23 anos vivendo esse trauma e, a cada recurso, a cada anulação, parece que estamos sendo injustiçados de novo.
Eu sei que o Brasil tem homens e mulheres de bem dentro da Justiça. A eles, eu peço: façam valer a lei, para que finalmente possamos descansar em paz…
Um processo cheio de idas e vindas
Jornalista: Dr… (não quer se identificar), o senhor é advogado criminalista, formado pela USP e amigo da família. O que aconteceu no processo desde então?
Advogado: O julgamento só aconteceu 13 anos depois do crime. Em 2015, um júri popular sólido, repleto de provas e testemunhos, condenou o ex-comendador João Arcanjo Ribeiro a 44 anos de prisão pela morte de Rivelino Brunini. Segundo registrou o Diário de Cuiabá, em 2003 o ex-PM Hércules Agostinho confessou ter matado Sávio Brandão e Rivelino a mando de Arcanjo, detalhando valores, intermediários e toda a trama criminosa. Depois, em 2009, mudou sua versão, mas mesmo assim acabou condenado em 2012 a 45 anos de prisão pelo homicídio.
O intrigante é que, apesar das provas, o caso sofreu sucessivas idas e vindas. Em 2019, o TJ chegou a anular o júri, mas o STJ reverteu a decisão e restabeleceu a condenação. Em seguida, o STF, de forma justa e coerente, manteve a condenação por unanimidade, com votos firmes dos ministros Ricardo Lewandowski (relator), Gilmar Mendes, Nunes Marques e Edson Fachin.
O mais espantoso é que, em 2024, a 2ª Câmara Criminal do TJ voltou a anular o julgamento pela segunda vez, abrindo espaço para um novo júri. Essa decisão, no mínimo esdrúxula, pode soar como uma afronta ao STJ e à própria Suprema Corte, que já havia se manifestado de forma clara sobre o caso.
Fonte: Mato Grosso