Quando o presidente dos EUA, Donald Trump, condicionou, na semana passada, um pesado resgate financeiro à Argentina à vitória do presidente Javier Milei nas próximas eleições do país, ele deu à oposição argentina um novo grito de guerra.
Nas redes sociais, #PatriaOColonia (“Pátria ou colônia”) virou trending topic após os comentários de Trump, feitos durante um encontro com Milei na Casa Branca.
Jorge Taiana, ex-ministro da Defesa e principal candidato da oposição peronista na província de Buenos Aires, exigiu no X que Trump “pare de extorquir o povo argentino!”.
E do lado de fora de um apartamento em Buenos Aires onde a poderosa líder da oposição e ex-presidente Cristina Kirchner está em prisão domiciliar por corrupção, multidões ouviram uma gravação de áudio em alto volume onde ela disse que “a economia argentina está sendo administrada por controle remoto pelo Tesouro dos Estados Unidos”.
O potencial resgate de US$ 40 bilhões oferecido por Trump à Argentina, país inadimplente em série, inclui um swap cambial assinado de US$ 20 bilhões e uma possível linha de crédito de US$ 20 bilhões.
Em Milei, Trump obtém um aliado leal e conservador em uma América Latina frequentemente adversária, além de possível acesso a recursos naturais como o lítio e um bloqueio à crescente influência chinesa na região, disse Pablo Vommaro, diretor executivo do CLACSO, um think tank sediado na Argentina.
Mas Trump ameaçou retirar o apoio se o partido de Milei, La Libertad Avanza, tiver um desempenho inferior nas eleições deste domingo (26).
Quando repórteres perguntaram a Trump, após a reunião na Casa Branca, se o apoio dos EUA à Argentina dependia de uma vitória nas eleições de meio de mandato, ele respondeu que “se eles não fizerem isso, não vamos durar muito”.
O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, disse que o apoio contínuo dos EUA dependia de “boas políticas”, não necessariamente do resultado da votação, mas os comentários de Trump abalaram os mercados e encorajaram os críticos.
A oposição peronista, o movimento que dominou a política argentina por mais de meio século, caracterizou a fala de Trump como intromissão nos negócios do país, relembrando a suspeita em grande parte da América Latina em relação a organizações sediadas nos EUA, do FMI (Fundo Monetário Internacional) à CIA (Agência Central de Inteligência).
Muitos argentinos também estão cautelosos com os peronistas após décadas de volatilidade econômica, e não está claro até que ponto a intervenção de Trump impactará a votação de domingo.
Mas uma pesquisa realizada em setembro/outubro pela empresa Zuban Córdoba revelou que 60% dos argentinos têm uma visão negativa de Trump. E uma pesquisa realizada em outubro pela consultoria Zentrix relatou que 58% dos argentinos se opõem à concessão de assistência financeira ao Tesouro dos EUA à Argentina, com apoio ou oposição em grande parte seguindo as linhas partidárias.

As eleições determinarão se Milei conseguirá sustentar as medidas de austeridade profundas que ajudaram a Argentina a alcançar um superávit orçamentário e foram bem recebidas pelos investidores, mas que afastaram cada vez mais os eleitores, prejudicando sua aprovação. Sua popularidade em queda encorajou uma oposição que recentemente anulou seus vetos no Congresso.
A ameaça de Trump de revogar o apoio não tinha precedentes, disse Lucia Vincent, cientista política da Universidade Nacional de San Martin. “Para pessoas bem informadas, acho que isso pode gerar uma forte reação”, disse ela.
Salvação para a Argentina?
Milei, que ficou famoso por usar uma motosserra para demonstrar seu fervor em relação aos cortes orçamentários, há muito tempo busca se alinhar a Trump, que por sua vez o chama de seu “presidente favorito”.
A Casa Branca não informou como a Argentina pagará aos EUA pela linha de swap, e não está claro se o governo Milei já começou a utilizá-la para fortalecer sua moeda.
Respondendo às preocupações de que a Argentina — que já é a maior devedora do FMI — poderia acabar devendo mais aos EUA, Ramiro Castiñeira, consultor econômico da Milei, disse que a Argentina pode não precisar de todo o apoio oferecido.

Ele acrescentou que a ajuda deve acalmar os mercados e ajudar a Argentina a pagar a dívida externa de cerca de US$ 280 bilhões.
No entanto, as altas do mercado após cada anúncio de apoio dos EUA estão ficando mais curtas, enquanto as compras de pesos pelo governo no mercado aberto não impediram que a moeda caísse para uma mínima histórica.
Os apoiadores de Milei rejeitaram as acusações de intervenção inapropriada de Trump.
“Não estamos acostumados com líderes políticos de países tão diretos e sinceros”, disse Santiago Pauli, congressista do partido de Milei pela província de Tierra del Fuego, no sul do país.
“O governo dos EUA não fez nenhuma exigência. Simplesmente expressou seu desejo de continuar apoiando Milei e a Argentina”, acrescentou.
Joaquin Benegas Lynch, candidato ao senado pelo partido de Milei pela província de Entre Rios, disse que os argentinos sabem que “a oposição representa o passado”, embora reconhecesse que não sabia como os comentários de Trump afetariam os eleitores.
Mobilização peronista
A oposição peronista da Argentina tem uma longa tradição de criticar a suposta interferência dos EUA, desde a década de 1940, quando o presidente populista Juan Perón acusou um ex-embaixador dos EUA de querer estabelecer um regime fantoche dos EUA, até a década de 1990, quando os peronistas criticaram as “relações carnais” que o então presidente Carlos Menem tinha com Washington.
“Hoje, precisamos escolher entre Cristina e Trump, de certa forma”, disse Manuel Valenti, um líder jovem peronista.
“A eleição é clara. O povo argentino não gosta quando eles intervêm em nossos assuntos internos.”
Do lado de fora do apartamento de Kirchner na sexta-feira à noite, apoiadores aplaudiram quando ela saiu para sua sacada, adornada com uma grande bandeira argentina.

“A suspeita é que eles estejam vendendo uma parte do país”, disse Fede Araneta, de 47 anos, que trabalha em comunicações na província de Buenos Aires e observou Kirchner no meio da multidão.
“O que não sei é se estamos dando a eles as Cataratas do Iguaçu, as Ilhas Malvinas, petróleo. Não sabemos o que estamos dando em troca disso.”