EUA já deportaram 200 mil latino-americanos desde início do governo Trump

Quando Leonel Chávez acorda, ainda pensa que ainda está em Norfolk, Connecticut. Ele leva alguns segundos para lembrar que agora está longe da esposa e dos três filhos, nascidos nos Estados Unidos.

“É um pesadelo que às vezes não me deixa dormir, como me agarraram, como me mandaram de volta”, diz ele à CNN de Puebla, no México, onde chegou depois de ser deportado em meados de agosto.

Poucos dias antes, Chávez e o seu irmão Ricardo estavam a caminho do trabalho na construção quando agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) os capturaram.

No vídeo, que ele mesmo gravou, é possível ver como os policiais o seguram pelo braço dentro de seu caminhão enquanto ele pergunta repetidamente o que procuram e pede para ver um mandado de prisão. Pouco depois, eles estavam de volta ao México.

“Me sinto vazio, arrasado”, diz Chávez. Sua história é apenas uma entre dezenas de milhares.

Nos primeiros dez meses do governo de Donald Trump, entre janeiro e outubro de 2025, pelo menos 200 mil latino-americanos foram deportados, segundo dados oficiais compilados pela CNN.

Desde que Trump voltou à Casa Branca em janeiro de 2025, a promessa de “deportação em massa” deixou de ser um apenas um slogan e tornou-se um máquina de retirada acelerada de imigrantes, com detenções em todo o país, desde locais de trabalho, estacionamentos e áreas residenciais até os arredores dos tribunais de imigração.

O Departamento de Segurança Interna dos EUA confirmou a deportação de Chávez à CNN e garantiu que os agentes seguiram o seu treinamento e usaram a força mínima necessária. A pasta também o descreveu como uma pessoa sem documentos e com um longo histórico criminal. Documentos judiciais mostram que ele tem várias condenações menores, erros que Chávez admite ter cometido quando era adolescente.

Enquanto a máquina de deportação avança, as consequências também começam a aparecer no campo, que perde milhares de dólares. Isso porque os trabalhadores, na sua maioria imigrantes sem documentos, não comparecem para fazer a colheita por medo de serem detidos e enviados de volta aos seus países.

Ranking de países

Os números das deportações mostram uma mudança drástica na política de imigração dos EUA. Nos primeiros dez meses do governo de Joe Biden, entre janeiro e outubro de 2021, foram registradas 34.293 deportações de latino-americanos, segundo dados do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE).

Mas no mesmo período do segundo mandato de Donald Trump, iniciado em janeiro de 2025, as deportações atingiram pelo menos 200 mil pessoas, segundo levantamento da CNN.

Para compilar este levantamento, a CNN entrou em contato com os ministérios das Relações Exteriores, institutos de migração e ministérios do Interior dos países latino-americanos.

No momento em que esta reportagem foi escrita, Argentina, Bolívia, El Salvador, Nicarágua, Panamá e Paraguai não haviam respondido ao pedido da CNN e, portanto, não aparecem na contagem, sugerindo que o número de deportados pode ser ainda maior.

O aumento nas deportações é esmagador: o número sob o governo Trump é quase seis vezes superior ao registrado no mesmo período do governo Biden. Isso significa que as deportações aumentaram cerca de 470% quando o republicano retornou à Casa Branca.

Fonte: Dados oficiais da Polícia, Ministérios do Interior, Ministérios das Relações Exteriores e Escritórios de Imigração de cada país. • Gráfico: Jhasua Razo e Rocío Muñoz-Ledo, CNN
Fonte: Dados oficiais da Polícia, Ministérios do Interior, Ministérios das Relações Exteriores e Escritórios de Imigração de cada país. • Gráfico: Jhasua Razo e Rocío Muñoz-Ledo, CNN

A crescente comunidade latina nos Estados Unidos atingiu um recorde de mais de 68 milhões em 2024, de acordo com dados do US Census Bureau. Uma população tão grande que só perde para o Brasil e o México em toda a América Latina.

Historicamente, a população mexicana tem sido o maior grupo hispânico nos Estados Unidos. Em 2024, totalizaram 38,9 milhões (11,5%), um aumento significativo em relação aos 35,9 milhões contabilizados em 2020, segundo dados do Censo.

O México também é o país latino-americano que teve o maior número de cidadãos deportados: mais de 100.000 pessoas, o equivalente a 53% de todas as deportações de latinos dos EUA.

Em seguida estão Guatemala (15%) e Honduras (13%), países marcados pela violência endêmica, pela pobreza e pela falta de oportunidades, que levaram milhares de pessoas a procurar melhores oportunidades nos EUA.

Os imigrantes da América Central registaram um aumento significativo nos últimos anos. A população hondurenha ultrapassou a marca de um milhão de residentes nos Estados Unidos pela primeira vez desde 2010.

A comunidade guatemalteca é ainda maior: com mais de 2 milhões de pessoas, segundo o Censo, é uma das maiores populações centro-americanas do país. Juntamente com os salvadorenhos – que somam aproximadamente 3 milhões de residentes – os hondurenhos e guatemaltecas constituem os três maiores grupos de migrantes da América Central dentro dos Estados Unidos.

As comunidades de países sul-americanos como a Colômbia, o Equador e, em particular, a Venezuela – cuja crise econômica e humanitária obrigou milhões de venezuelanos a fugir – ultrapassam um milhão de pessoas nos Estados Unidos, segundo o Censo, e são também as que mais receberam deportados desde a chegada de Trump, há alguns meses.

A população venezuelana relatou o crescimento mais rápido dos grupos hispânicos, com um aumento de 181% de 2010 a 2020, segundo o Censo.

Entretanto, o Chile e a Costa Rica registraram menos deportações – menos de 400 somadas –, já que estão entre as menores comunidades latino-americanas do país: estima-se que 82.000 uruguaios, 227.000 chilenos e 220.000 costa-riquenhos viviam nos Estados Unidos em 2024, de acordo com o Censo.

A máquina de imigração de Trump

Enquanto o governo de Joe Biden se concentrou principalmente em impedir a entrada ilegal de imigrantes pela na fronteira sul, aplicando restrições aos requerentes de asilo e priorizando a gestão das principais rotas, Trump optou por uma estratégia diferente: uma ofensiva no interior do país.

As operações do ICE acontecem em locais de trabalho, estacionamentos, bairros e até mesmo fora dos tribunais de imigração. Enquanto isso, o governo revisa green cards, elimina programas de proteção temporária e limita vistos de trabalho.

A política de deportação de Trump não afeta apenas aqueles que cruzaram a fronteira ilegalmente, mas também os imigrantes que vivem legalmente nos Estados Unidos, expandindo o impacto a comunidades inteiras.

Em algumas cidades, como Los Angeles, estas medidas foram reforçadas com o envio da Guarda Nacional, provocando indignação e protestos por parte das comunidades locais e dos defensores dos direitos dos imigrantes.

Os números refletem essa diferença. Durante o primeiro ano de Biden, as deportações atingiram cerca de 36.600 pessoas, segundo dados do ICE. Em contrapartida, o Departamento de Segurança Interna informa que, desde o início do segundo mandato de Trump, mais de meio milhão de imigrantes sem documentos foram deportados, incluindo aqueles que foram barrados nos portos de entrada e aqueles detidos dentro do país.

Apesar destes números, o ritmo das detenções e deportações de imigrantes ainda está aquém do objetivo da Casa Branca de um milhão de deportações por ano.

Deportações cobram um preço no campo

Os imigrantes informais representam entre 4% e 5% da força de trabalho total do país, mas têm um papel muito maior em indústrias como a agricultura, a transformação alimentar e a construção, onde constituem cerca 20% ou mais dos trabalhadores, segundo a Goldman Sachs.

O Departamento de Agricultura estima que 42% dos trabalhadores agrícolas contratados não têm autorização para trabalhar.

Desde abril, 1,4 milhões de pessoas deixaram a força de trabalho dos EUA, incluindo 802 mil nascidos no exterior, de acordo com o Bureau of Labor Statistics. Os trabalhadores agrícolas não são incluídos nos relatórios mensais oficiais sobre o emprego, mas os analistas concordam que a política de imigração tem um impacto geral em todo o país.

No condado de Wasco, Oregon, um agricultor estimou que perderia entre 250 mil e 300 mil dólares durante a temporada de verão porque metade dos seus trabalhadores não compareceu por medo de serem presos. As cerejas estavam apodrecendo nas árvores dos pomares de Ian Chandler porque ninguém vinha colhê-las.

Um destino incerto para milhares de famílias

De volta a Puebla, Leonel se esforça para permanecer otimista. Ele mantém a esperança de se reencontrar sua esposa e filhos. “Os Estados Unidos me deram muito, não posso reclamar disso. Me deram muito. Me deram uma família linda. Minha filha se formou. Meu filho vai se formar. É uma provação que Deus nos dá e que vamos superar”, afirma.

A filha, também afetada pela separação, garante que o pai trabalhava muito para sustentar a família: tinha uma pequena empresa, pagava impostos e buscava crescer. “É uma pena que uma pessoa que faz tudo aqui mesmo, mesmo sem documentos, seja tratada como lixo”, ela diz.

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