Os Estados Unidos estão cometendo um erro fundamental de diagnóstico e de política externa que pode fragilizá-los globalmente, enquanto fortalece potências como a China. Essa é a análise do diretor-gerente e economista-chefe do IIF (Instituto de Finanças Internacionais, na sigla em inglês), Marcello Estevão, durante participação no programa ‘WW Especial’, da CNN.
O ex-diretor do Banco Mundial, com passagens pelo Fed (Federal Reserve) — o banco central dos Estados Unidos — e FMI (Fundo Monetário Internacional), critica a abordagem atual da política americana, especialmente sob a ótica da administração de Donald Trump.
Segundo Estevão, os Estados Unidos cometem um grave erro estratégico ao tentar desmantelar o sistema financeiro internacional do qual são o principal beneficiário desde a Segunda Guerra Mundial.
“Este sistema, com os EUA e o dólar como seu centro financeiro, conferiu um poder enorme ao país, atraindo capitais e ativos em dólar. Essa afluência de capital, embora crie um déficit na balança de transações correntes, é plenamente financiável pela posição americana no sistema financeiro internacional, tornando-o um problema que não é real, que não existe”, explica.
Estevão destaca que o país norte-americano cresceu significativamente mais que a Europa nas últimas duas décadas graças a este mesmo sistema que agora questiona. Ele descreve essa estratégia como uma tentativa de “lutar contra o sistema que existe”.
“Os Estados Unidos estão quebrando um sistema que foi criado tendo os Estados Unidos como centro e botando um outro sistema, que é um sistema onde nós estamos ilhados, tudo é bilateral e tudo é uma negociação de curto prazo”, alerta.
Para o economista, que também foi secretário para Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, essa abordagem demonstra uma “falta de pensamento estratégico, de entendimento do que foi esse grande arranjo internacional, que é uma coisa preocupante para os cidadãos americanos”, ressalta.
Fragilização da influência americana
As consequências, de acordo com o economista, são claras: “Os Estados Unidos vão sair desse processo mais fragilizado. A China, que é uma outra potência econômica, vai sair fortificada. Não há a menor dúvida disso”.
Como exemplo concreto dessa perda de influência, Estevão cita o caso do continente africano, onde atuou quando estava no Banco Mundial. Segundo ele, a China tem ampliado significativamente seu poder na região, enquanto os americanos reduzem sua presença.
“Eu trabalhei numa equipe de 400 pessoas renegociando dívida na África. Você já via uma presença maior da China nessa agenda. Os EUA não têm poder nessa discussão. E com o Trump vai sair mais ainda, com a destruição da USAID [agência americana de desenvolvimento internacional]”, critica.
Marcello Estevão ressalta que instituições como o Banco Mundial, o FMI e a OMC (Organização Mundial do Comércio) foram organizadas para facilitar os fluxos de comércio e capitais, beneficiando principalmente o país norte-americano, que possui o mercado de capitais mais desenvolvido.
“É um erro de diagnóstico, é um erro de política e os Estados Unidos vão pagar caro por esse erro, se continuar”, conclui Estevão.