Crise global de fertilidade: por que também precisamos agir?

O número de filhos está em declínio. Em 1960, a média mundial era de 5 filhos por mulher. Hoje, esse número está em torno de 2,3 — e continua diminuindo. De acordo com as Nações Unidas, mais de dois terços da população global já vive em países cuja taxa de fecundidade está abaixo do nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher). O Brasil se insere nesse cenário com um dado alarmante: a taxa atual de fecundidade nacional é de apenas 1,55, o menor número da nossa história.

Fatores que influenciam a decisão de ter filhos

Não se trata de uma decisão geracional simples. Embora muitos ainda desejem ter filhos, esse desejo esbarra em barreiras cada vez mais complexas. A pesquisa mais recente do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) revelou que 39% das pessoas evitam a maternidade ou paternidade por insegurança financeira, 21% por medo de perder o emprego e 19% pelo custo da moradia. Além disso, fatores como crises climáticas, conflitos armados, insegurança pública, pandemias e desigualdade de gênero aumentam o receio quanto ao futuro e afetam diretamente os projetos reprodutivos da população.

No Brasil, a situação é igualmente desafiadora. A taxa de fecundidade em estados como o Rio de Janeiro (1,35) já se equipara à de países como Japão e Itália — conhecidos pelo envelhecimento acelerado de suas populações. O IBGE projeta que a população brasileira deixará de crescer a partir de 2042. E, em 2070, mais de um terço dos brasileiros terá 60 anos ou mais.

Desafios individuais e a importância de novas estratégias

Como médico especializado em reprodução humana, vejo diariamente os efeitos dessa crise nas decisões e nas angústias dos meus pacientes. Muitos chegam ao consultório em um momento em que a fertilidade natural já está significativamente comprometida. O adiamento da maternidade — motivado por carreira, estabilidade financeira ou falta de parceiro — é legítimo, mas exige informação precisa sobre os limites do corpo e as opções disponíveis para preservar a fertilidade.

É nesse contexto que se destaca a importância de estratégias como o congelamento de óvulos ou de embriões, ainda pouco difundidas, porém acessíveis no Brasil. Trata-se de uma ferramenta eficaz, segura e recomendada pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva para mulheres e casais que desejam adiar a maternidade com maior autonomia. No entanto, o acesso a essa tecnologia ainda é limitado pela falta de informação, pelos custos envolvidos e pela ausência de cobertura universal pelo sistema público.

Impactos sociais e necessidade de políticas públicas

Outro ponto de alerta está no aumento dos casos de infertilidade — atualmente estimada em mais de 186 milhões de pessoas no mundo. A poluição do ar, o tabagismo, o estresse crônico, distúrbios metabólicos como a obesidade, o consumo excessivo de álcool e alimentos ultraprocessados, e o avanço da idade reprodutiva estão entre os fatores que mais impactam a saúde reprodutiva de homens e mulheres. Ignorar esses sinais pode comprometer não apenas os planos familiares individuais, mas a própria sustentabilidade econômica e previdenciária do país.

Se a tendência atual se mantiver, o Brasil enfrentará um paradoxo preocupante: uma população envelhecida com maiores custos de saúde e menor capacidade de trabalho, e uma juventude com poucos filhos ou mesmo sem filhos. O resultado pode ser um desequilíbrio profundo no mercado de trabalho e nos sistemas de saúde e seguridade social.

A fertilidade cada vez mais será abordada como um tema da sociedade e não apenas como um debate individual. Isso significa educar sobre os limites reprodutivos do corpo humano, promover políticas que estimulem a parentalidade de forma segura, oferecer apoio psicológico e financeiro às futuras famílias e garantir acesso a tecnologias reprodutivas.

*Texto escrito pelo ginecologista Dani Ejzenberg (CRM 100673), especialista em Reprodução Assistida na Clínica Nilo Frantz e membro da Brazil Health

FONTE

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *