Diferente da maior parte dos países, o maior desafio para diminuir as emissões de gases com efeito estufa no Brasil não é o uso de combustíveis fósseis, e sim o setor agropecuário.
“Não existe agenda climática no Brasil sem uma agenda de transição para o sistema agroalimentar”, explica Arilson Favareto, professor titular da Cátedra Josué de Castro da USP e da área de Planejamento Territorial da UFABC.
“Três quartos das emissões brasileiras estão relacionadas com o sistema agroalimentar direta ou indiretamente. Seja pela forma que a produção ocorre ou pelo desmatamento impulsionado pela expansão da fronteira agropecuária”, acrescenta ele.
De acordo com dados o Censo Agropecuário 2017, realizado pelo IBGE, a agricultura familiar representa 84% dos estabelecimentos agroalimentares, mesmo que represente apenas 23% da área do país ocupada pela atividade. Enquanto a agropecuária intensiva produz com foco na exportação, a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros.
O que é agricultura familiar?
É possível definir a agricultura familiar como a prática de atividades agrícolas em propriedades rurais onde a maior parte da mão-de-obra vem da própria família que faz a gestão daquele pedaço de terra. Geralmente, o cultivo representa a principal fonte de renda e de subsistência dessas famílias.
Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), acrescenta: “A agricultura familiar gera alimentos como feijão, mandioca, milho, frutas, garantindo a segurança alimentar para a população e também provendo a geração de empregos, fixando as famílias do campo, sem que elas precisem ir buscar sua sobrevivência nas cidades.”
“Por trabalhar em pequena escala, essas propriedades contribuem para a preservação de tradições culturais, para a manutenção da biodiversidade, a manutenção de áreas florestadas com mais facilidade. Isso tudo também acaba combatendo a desigualdade, impedindo a concentração de muita terra em poucas mãos”, fala Bocuhy.
Agenda sustentável
Para os especialistas, a agricultura familiar oferece benefícios que devem ser aproveitados para cumprir a agenda de transição sustentável do setor.
O principal é a diversidade na produção que, além de importante para garantir a segurança alimentar da população, possibilita o cultivo com menor impacto ambiental – o que também contribui para alimentos mais saudáveis.
A diversidade e a pequena escala de produção – cultivar diferentes espécies em pequenas porções de terra – se estabelecem como alternativas à monocultura – modelo que cultiva uma única espécie em larga escala, causando o esgotamento e a contaminação do solo, perda da biodiversidade de animais e vegetais do ecossistema e a piora do aquecimento global.
Além disso, Favareto destacou a importância da recuperação de áreas degradadas. “Essas áreas podem ser recuperadas por meio de um conjunto de técnicas, dentre elas, o reflorestamento com espécies nativas. A agricultura familiar pode, portanto, se beneficiar desse tipo de investimento e oferecer uma participação importante na recomposição desses ecossistemas.”
Para além da sustentabilidade
Os especialistas ainda destacam que a agricultura familiar oferece uma “tripla vantagem” em relação agropecuária intensiva. Além dos ganhos ambientais e alimentares, ela também é uma ferramenta para reduzir a desigualdade social nas áreas rurais.
“Há uma grande vantagem da agricultura familiar perante a agricultura de larga escala que diz respeito à desconcentração da produção e da renda”, diz Favareto. “O potencial desses estabelecimentos agropecuários está em conjugar iniciativas que possam, ao mesmo tempo, oferecer resposta para as mudanças climáticas, aumentar a oferta de alimentos e melhorar a renda dessas famílias nas regiões interioranas do Brasil, essa é uma tripla vantagem que precisaria ser melhor aproveitada num contexto de transição.”