Como a ciência quer fazer o corpo virar uma “fábrica natural” de Ozempic

Pessoas que buscam perder peso e reduzir o açúcar no sangue podem, no futuro, receber uma única injeção que transformará suas células em pequenas fábricas produtoras de uma proteína que é, essencialmente, o ingrediente ativo em medicamentos como Ozempic, Wegovy e Mounjaro.

Esta é a ambição de duas startups de biotecnologia, a RenBio, de Nova York, e a Fractyl Health, de Massachusetts. Ambas as empresas concluíram testes iniciais demonstrando que suas abordagens funcionam, pelo menos em camundongos, e já iniciaram testes em animais maiores — porcos e macacos — para verificar se suas terapias gênicas podem ser eficazes em organismos de maior porte.

 

 

Com sucesso contínuo e financiamento adequado, elas esperam levar as terapias a pacientes humanos — embora possam ser necessários anos de pesquisas adicionais para provar que suas ideias funcionam e são seguras.

Os medicamentos GLP-1 mais recentes – disponíveis em injeções e comprimidos – provaram ser altamente eficazes para a perda de peso, inaugurando uma nova era no tratamento da obesidade.

GLP-1, sigla para peptídeo semelhante ao glucagon-1, é um hormônio produzido pelo corpo que ajuda a sinalizar ao cérebro e ao intestino que está satisfeito e não precisa comer mais. Os novos medicamentos para perda de peso imitam a ação desse hormônio aumentando a secreção de insulina para reduzir o açúcar no sangue. Eles também retardam o movimento dos alimentos pelo trato digestivo, o que ajuda as pessoas a se sentirem saciadas mais rapidamente e por mais tempo, além de atuarem no cérebro para reduzir o apetite.

Em menos de dois anos, o percentual de adultos americanos usando esses medicamentos para perda de peso praticamente dobrou, aumentando de 5,8% para 12%, segundo um relatório recente da Gallup. Sua popularidade pode finalmente estar fazendo diferença na taxa de obesidade do país, que caiu de 39,9% em 2023 para 37% em 2025, de acordo com a Gallup.

No entanto, os medicamentos podem ser caros, e até metade dos usuários relatam efeitos colaterais, incluindo náusea, vômitos e fadiga. Estudos sugerem que as pessoas precisam continuar usando-os para manter a perda de peso, mas muitas não gostam da ideia de permanecer indefinidamente com o tratamento. Um estudo recente descobriu que quase dois terços das pessoas sem diabetes que começaram a usar medicamentos GLP-1 interromperam o uso dentro de um ano.

A próxima onda de pesquisas busca capitalizar os benefícios dos GLP-1s com menos desvantagens. É aí que entram empresas como a Fractyl e a RenBio.

A Fractyl está apresentando os resultados mais recentes de seu ensaio com uma terapia gênica chamada Rejuva em camundongos durante a reunião anual da Sociedade de Obesidade, chamada ObesityWeek, que está sendo realizada em Atlanta esta semana.

A RenBio compartilhou seus resultados de estudos em andamento com camundongos em um artigo preliminar, ainda não revisado por pares ou aceito em uma revista médica, no mês passado. A empresa também apresentará descobertas atualizadas na ObesityWeek.

Transformando células musculares em fábricas de GLP-1

A RenBio chama sua tecnologia de “Faça Você Mesmo”, e é uma ideia relativamente simples. Eles utilizam um plasmídeo — um anel de DNA nu — em solução salina.

O DNA, sigla para ácido desoxirribonucleico, carrega as instruções que o corpo usa para se construir e se renovar constantemente. Ele vive no núcleo, ou cérebro, de cada célula como uma escada dupla retorcida. A escada é composta por quatro ácidos nucleicos individuais, como as letras que formam palavras em um livro, unidos em longas cadeias que codificam as instruções para proteínas. A ordem das letras indica ao corpo como produzir as proteínas.

No caso da RenBio, os pesquisadores codificaram as instruções para produzir uma proteína agonista do receptor GLP-1 — essencialmente o mesmo ingrediente ativo em medicamentos como Ozempic e Mounjaro — e a inseriram em um pequeno círculo chamado plasmídeo. Eles injetaram uma solução salina contendo esses plasmídeos no tecido muscular e utilizaram pulsos elétricos curtos — de milissegundos — para estimular as células musculares.

“Funciona de maneira muito eficiente. Basicamente, os pulsos elétricos criam temporariamente pequenos poros na membrana celular que permitem que os anéis de DNA entrem na célula”, explicou a Dra. Rachel Liberatore, presidente e diretora científica da RenBio.

A partir daí, os plasmídeos migram para o núcleo, onde permanecem no citoplasma gelatinoso. Quando a célula se prepara para traduzir seu próprio DNA, o DNA do plasmídeo é lido e traduzido junto com ele. Quando a célula lê as instruções, ela produz a proteína agonista do receptor GLP-1 e a libera no organismo.

Liberatore explicou que, embora a terapia da RenBio use tecnologia genética, não se trata de uma terapia gênica tradicional: os pesquisadores não estão tentando consertar um gene defeituoso. Em vez disso, estão usando a própria maquinaria da célula para transformá-la em uma fábrica de proteínas.

“O DNA que estamos injetando, o DNA plasmídeo, não interfere de forma alguma com seu próprio DNA. Portanto, não interfere com seus cromossomos, não se integra ao seu material genético e não é algo que você vai transmitir para seus filhos”, afirma Liberatore.

A RenBio também está usando esta plataforma para desenvolver terapias proteicas que podem ser construídas da mesma forma, como anticorpos contra o vírus Zika. O trabalho é financiado pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA) e pela Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado (BARDA) do governo federal. Também conta com o apoio do Wellcome Trust, uma fundação de pesquisa em saúde.

Nos experimentos mais bem-sucedidos da RenBio, camundongos injetados com os plasmídeos perderam cerca de 15% do peso corporal, significativamente mais do que os camundongos do grupo placebo. A perda foi mantida por pelo menos um ano após receberem o DNA plasmídeo.

Em cada formulação testada, a perda de peso se estabilizou nos camundongos tratados com os plasmídeos, atingindo um platô. Mas isso é positivo quando se trata de uma terapia de longa duração, segundo Liberatore.

“Na verdade, ficamos muito satisfeitos em ver isso, porque não necessariamente queremos uma perda de peso contínua por um ano, um ano e meio”, afirma Liberatore.

Testes de tolerância à glicose mostraram que o açúcar no sangue também foi melhor regulado.

Os pesquisadores ainda não têm certeza sobre quanto tempo os plasmídeos podem permanecer ativos. A ideia é que um médico possa aplicar uma injeção em seus pacientes a cada ano ou dois.

“Nossa visão é que isso é realmente ideal para a fase de manutenção que as pessoas estão começando a discutir com os GLP-1s”, afirma Liberatore.

A plataforma de plasmídeos também foi testada em macacos, e os pesquisadores chegaram até mesmo a usar o dispositivo em si mesmos – embora apenas com solução salina pura, não com plasmídeos.

A RenBio espera começar a testar sua plataforma de plasma para fornecer instruções de produção de anticorpos contra o vírus Zika em pessoas no próximo ano.

Direcionando células para ajudar o corpo a produzir mais GLP-1

Outra empresa chamada Fractyl Health está adotando uma abordagem um pouco diferente. Ela usa uma técnica de terapia gênica mais tradicional na qual a casca externa de um pequeno vírus — chamado vírus adeno-associado — introduz DNA nas células e fornece instruções para produzir GLP-1.

Em casos raros, quando vírus são usados para entregar genes, eles podem desencadear uma resposta imune no corpo, levando a inflamações potencialmente perigosas, reações alérgicas ou danos aos órgãos. Em outros casos, vetores de terapia gênica como vírus podem acabar onde não deveriam e podem introduzir erros nos genomas das células, o que pode levar ao câncer.

A ideia é que um único tratamento aplicado diretamente nas células produtoras de insulina no pâncreas nunca precisaria ser repetido.

“Como estamos fazendo a entrega localmente, acreditamos que precisaremos de uma dose muito baixa deste vírus, o que nos dá confiança no potencial de segurança em pessoas”, afirma Harith Rajagopalan, cofundador e CEO da Fractyl Health.

Os pesquisadores testaram isso em camundongos e porcos, e ambos os testes foram bem-sucedidos, segundo Rajagopalan. Mas camundongos e porcos não são humanos, e muitas terapias que tiveram sucesso em animais de laboratório acabaram falhando em pessoas.

“Há promessa, mas seriam necessários muito mais dados para considerar ensaios clínicos em humanos, já que provavelmente seria irreversível”, diz.

Donald Kohn é professor titular de microbiologia, imunologia e genética molecular no Centro de Pesquisa de Células-Tronco Broad da Universidade da Califórnia – Los Angeles.

“A preocupação seria que a alteração genética é permanente, então se houver superexpressão… que pode mudar com várias condições — perda de peso, doença, envelhecimento, alterações hormonais — isso poderia causar problemas devido à superexpressão sem forma de reverter, exceto remover o pâncreas ou o músculo tratado”, afirma Kohn por e-mail.

Kohn explicou que existe um longo debate na terapia gênica sobre seu uso para tratamentos não relacionados a doenças, como aumento de altura ou massa muscular. Em geral, o entendimento é que não deveria ser utilizada para aprimoramentos.

“Isso certamente está próximo da linha entre medicina e aprimoramento, e por isso acredito que seja mais um motivo para considerar se este é um caminho que devemos seguir”, diz Kohn.

A Fractyl afirma que já apresentou a documentação regulatória nos Estados Unidos para iniciar testes em humanos. “Esperamos ver dados em humanos no próximo ano, em 2026”, afirma Rajagopalan.

Os vírus são especialistas em infectar células, então os cientistas usam essa capacidade para inserir DNA em uma célula, fazendo com que ela comece a produzir as proteínas que os pesquisadores desejam – neste caso, o GLP-1.

No entanto, a terapia gênica como esta pode ser arriscada, então para minimizar o risco, os pesquisadores projetaram seu DNA para reconhecer a sequência promotora da insulina. Sequências promotoras são pequenos trechos de DNA que indicam à maquinaria de cópia da célula onde uma nova proteína começa. Funciona como um interruptor liga/desliga no DNA.

Ao fazer com que a sequência de DNA do GLP-1 reconheça o promotor da insulina, os pesquisadores vincularam a função de sua sequência à produção de insulina, outro hormônio que ajuda a regular o açúcar no sangue.

Isso significa que apenas as células que produzem insulina também produzirão GLP-1, limitando a dose que é liberada no corpo.

Isso também cria uma forma de aumentar ou diminuir o volume extra de GLP-1. Quando um camundongo come uma refeição rica em gordura e calorias, seu corpo produzirá mais insulina e também mais GLP-1, para proteger contra o ganho de peso.

Quando o organismo consome uma porção mais moderada de sua alimentação normal, não produz tanto GLP-1, assim não perde peso quando não há necessidade.

Em camundongos, os resultados têm sido promissores, afirma Dr. Randy Seeley, professor da Universidade de Michigan que estuda a sinalização hormonal relacionada ao diabetes tipo 2 e obesidade. A Fractyl contratou Seeley para testar a terapia gênica, e ele possui opções de ações na empresa.

Camundongos obesos tratados com a terapia gênica, chamada Rejuva pela Fractyl, perderam cerca de 20% do peso corporal em três semanas.

“Superou a semaglutida”, o ingrediente ativo do Ozempic e Wegovy, afirma Rajagopalan.

Quando os pesquisadores trataram camundongos com peso normal usando a terapia gênica e depois os alimentaram com uma dieta rica em gordura, os animais não ganharam peso. Seus níveis de açúcar no sangue também permaneceram normais.

Ao aplicarem a terapia gênica em camundongos magros que mantinham sua dieta normal, estes não perderam peso excessivamente. Também não desenvolveram níveis perigosamente baixos de açúcar no sangue, sugerindo que o tratamento pode ser seguro tanto para prevenir quanto para tratar e manter a obesidade.

Também pode ser uma forma de prevenir o diabetes.

Rajagopalan vislumbra um futuro onde seja possível identificar pessoas com risco de obesidade, seja por histórico familiar ou outros fatores, e oferecer-lhes terapia gênica para prevenir esse destino.

Em um ambiente alimentar onde alimentos processados foram desenvolvidos para enganar o cérebro e induzir o consumo de quantidades não saudáveis, ele vê esta terapia gênica como uma potencial ajuda para as pessoas recuperarem o controle sobre seu apetite e saúde.

“A comida está mais barata por caloria e mais amplamente disponível do que em qualquer outro momento da história humana”, diz Rajagopalan. “Simplesmente não fomos feitos para produzir GLP-1 suficiente para o mundo ao nosso redor.”

A solução, segundo ele, pode estar em ajudar o corpo a produzir mais GLP-1 por conta própria.

“Ainda há um longo caminho pela frente, e não podemos minimizar o trabalho envolvido. Quer dizer, isso equivale a dizer que vamos colonizar Marte, em termos da magnitude do esforço necessário para chegar lá”, afirma Rajagopalan. “Mas por que não aspirar a isso?”

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