A resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que flexibiliza o processo de obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) pode causar insegurança jurídica. É o que dizem especialistas e gestores de trânsito consultados pela CNN Brasil. O texto, segundo eles, muda completamente a forma de obter a habilitação, a partir de resolução aprovada segunda-feira (1º).
Conhecido como CNH sem Autoescola, a resolução flexibiliza o processo de aprendizagem permitido etapas online e reduz de 20 horas para 2h o mínimo de aulas práticas de direção. Os Centros de Formação de Condutores (CFCs) deixam de ser obrigatórios e o aluno pode contratar instrutores independentes.
De acordo com o coronel Ricardo Silva, vice-presidente do Departamento de Trânsito de Santa Catarina (Detran-SC), o Ministério dos Transportes concentrou esforços na redução de custos para o candidato à habilitação, deixando em segundo plano critérios estruturais de segurança viária.
Para ele, a retirada da obrigatoriedade de aulas presenciais em autoescolas e a possibilidade de estudo autônomo podem comprometer o domínio da legislação de trânsito, transformando a prova final no único filtro de avaliação.
“Haverá um determinado prejuízo na formação dos condutores, até que haja definitivamente uma estratégia de melhor qualificação. Vai haver uma insegurança jurídica muito grande no que se refere à validade dos instrutores, à validade dos exames e à fiscalização dos credenciados. E vai haver um certo desinteresse por parte dos novos condutores em conhecer a legislação de trânsito”, disse Silva.
O Ministério do Trabalho, no entanto, acredita que o rigor das avaliações é suficiente para manter a segurança. “As aulas, por si só, não garantem que alguém esteja apto a dirigir. O que garante é a prova. O novo modelo segue padrões internacionais adotados por países como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, onde o foco é a avaliação, não a quantidade de aulas”, afirmou o ministro dos Transportes, Renan Filho, em comunicado oficial.

Para Carlos Elias, conhecido como professor Carlão, do canal Manual do Trânsito, ainda há questionamentos sobre a celeridade do processo para a mudança. Ele opina que a medida deveria ter passado por instâncias mais especializadas antes mesmo da consulta pública.
“O processo poderia ter sido mais discutido, inclusive, antes da consulta pública, seria importante ter sido apreciada pela câmara temática”, observa. Segundo ele, o país tem histórico de decisões regulatórias aceleradas no trânsito, sem amparo técnico suficiente.
Na opinião do vice-presidente do Detran-SC, a ausência de diretrizes operacionais claras para os órgãos estaduais dificultará o controle de instrutores independentes e a fiscalização das condições dos veículos de aprendizagem. Ele ressalta ainda que a resolução não esclarece pontos técnicos essenciais, como a padronização dos veículos adotados nas aulas — incluindo o uso de câmbio automático — nem a obrigatoriedade do duplo comando, hoje presente nos automóveis de treinamento das autoescolas.
Por outro lado, Carlos Elias reconhece que a flexibilização pode democratizar o acesso à habilitação, afetando principalmente pessoas que já dirigem de forma irregular. “Do jeito que está proposto, acredito em uma redução de 50% a 60% daqueles que já possuam alguma prática, ou seja, aqueles que já dirigem ilegalmente. Sobre as consequências, o tempo dirá.”
Outros modelos
A comparação feita pelo governo com modelos adotados nos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá, é também questionada. “O Brasil possui características muito diferentes desses países, inclusive na formação cidadã e no senso de coletividade. Por isso acho temerário comparar esse tipo de situação”, disse o especialista.
A análise sugere que a transposição de modelos internacionais pode ignorar diferenças culturais e estruturais no comportamento de trânsito.
Para Ricardo Silva, a resolução legitimou o objetivo de redução de custos, mas falhou em criar bases sólidas para validação do processo e garantia de qualidade. “Já existe um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) buscando anular os efeitos da norma, o que evidencia o grau de controvérsia e insegurança jurídica”, acrescentou.