À medida que aumentamos drasticamente os níveis de dióxido de carbono na atmosfera, maior é a necessidade de aperfeiçoamento dos nossos modelos climáticos. Um dos instrumentos fundamentais — o chamado paleoclima — fornece pistas do clima planetário antes da existência de instrumentos meteorológicos.
Ao tentar entender a variabilidade natural do clima terrestre, os paleoclimatólogos enfrentam um desafio complexo: quantificar os níveis antigos de CO₂ atmosférico. Agora, com um método inovador, uma equipe de pesquisadores utiliza dentes de dinossauros como “cápsulas do tempo” climáticas.
Publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o estudo desenvolveu uma espécie de “arqueologia atmosférica”, a partir desse material fossilizado, fornecendo a primeira leitura precisa de como era a atmosfera quando dinossauros dominavam um planeta muito mais quente.
Realizada por pesquisadores das universidades de Göttingen, Mainz e Bochum, da Alemanha, a análise de isótopos de oxigênio no esmalte dentário dos répteis do Mesozoico (há 252 a 66 milhões de anos) mostrou que as concentrações de CO₂ na atmosfera eram muito maiores do que as atuais.
Essa preservação ocorre, pois, durante a vida do animal, o oxigênio que ele respira e ingere (via água e alimentos) é usado pelo corpo para formar tecidos, incluindo o esmalte dentário. Altamente mineralizado, esse material é resistente à alteração pós-morte, guardando uma assinatura isotópica do oxigênio da época.
Como os isótopos de oxigênio ficam preservados nos dentes?

Variantes do oxigênio, os isótopos não são fabricados por seres vivos, mas existem há bilhões de anos e se formaram antes mesmo de a Terra existir. Antes da vida, as proporções isotópicas eram determinadas apenas por processos físicos e químicos: evaporação, condensação e outras reações inorgânicas.
Mas, quando a vida desenvolveu a fotossíntese, criou uma nova forma de alterar as proporções de isótopos na Terra, pois as plantas processam mais facilmente o oxigênio-16 (¹⁶O) porque ele é o mais leve, tendo apenas 8 nêutrons. Essa “preferência” se tornou uma ferramenta para estudarmos o clima do passado.
Durante a fotossíntese, as plantas consomem CO₂ e água, liberando oxigênio na atmosfera. Como preferem processar o oxigênio-16 mais leve, o O₂ produzido carrega essa assinatura isotópica específica. Assim, quanto mais CO₂ disponível, mais intensa a fotossíntese, o que altera as proporções atmosféricas de forma mensurável.
Uma vez que os dinossauros inalavam esse oxigênio com proporções isotópicas que refletiam a atividade vegetal da época, o gás circulava no sangue e se incorporava ao esmalte dentário durante a mineralização, preservando uma assinatura isotópica permanente do ar mesozoico.
Quando analisadas hoje, essas proporções fossilizadas de ¹⁶O, ¹⁷O e ¹⁸O no esmalte são comparadas com padrões conhecidos de fracionamento. Como diferentes níveis de CO₂ também determinam as temperaturas globais, os cientistas podem calcular as condições climáticas que sustentavam a fotossíntese há milhões de anos.
Resultados e implicações futuras do uso do esmalte dentário fossilizado

Há 150 milhões de anos, no Jurássico Superior, o ar era carregado com cerca de quatro vezes mais dióxido de carbono do que antes da era industrial. Milhões de anos depois, já no Cretáceo Superior (há 73-66 milhões de anos), essa concentração era três vezes maior que os níveis humanos pré-industriais.
Os autores detectaram assinaturas químicas incomuns em dentes fossilizados de Tyrannosaurus rex e Kaatedocus siber. Uma variação nos isótopos de oxigênio sugere picos de CO₂, provavelmente ligados a erupções vulcânicas gigantescas nos planaltos de Deccan, na Índia, que liberaram gases e calor no fim do Cretáceo.
O estudo representa uma revolução na paleoclimatologia, pois o pó de esmalte dos dentes de dinossauros preserva assinaturas isotópicas originais. Sua análise permite estimar temperaturas e a composição atmosférica de eras passadas com alta precisão, revelando mudanças climáticas profundas.
Essa técnica inédita supera os métodos tradicionais, fazendo uma conexão direta entre os vertebrados terrestres e o clima antigo. Mesmo com limitações causadas por alterações químicas após a fossilização, oferece dados confiáveis sobre CO₂ e fotossíntese do Mesozoico.
Em comunicado, o principal autor do artigo, Dingsu Feng, da Universidade de Göttingen, ressalta a utilidade de usar esmalte dentário fossilizado para estudar a atmosfera da Terra primitiva e a produtividade da vegetação terrestre e marinha. “Isso é crucial para nossa compreensão da dinâmica climática de longo prazo”, conclui.