Um novo estudo descobriu que voos espaciais fazem certas células-tronco humanas envelhecerem mais rapidamente, ampliando a compreensão dos cientistas sobre os possíveis efeitos da exploração espacial no corpo humano.
As células-tronco são encontradas em todo o corpo e podem se multiplicar ou se transformar em outras células especializadas — incluindo células sanguíneas, cerebrais ou ósseas — para manutenção e reparo.
“No espaço, as células-tronco têm um declínio em sua função”, disse a autora principal do estudo, Catriona Jamieson, diretora do Instituto Sanford de Células-Tronco e professora de medicina na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, San Diego. “Elas realmente reduzem sua capacidade de se renovar ou regenerar, e isso é algo importante de se saber para missões espaciais de longa duração.”
O estudo, parcialmente financiado pela Nasa, foi realizado durante quatro missões de reabastecimento da Estação Espacial Internacional operadas pela SpaceX entre o final de 2021 e início de 2023. A pesquisa foi publicada na quinta-feira (4) na revista Cell Stem Cell.
“Este é o primeiro estudo que analisa como as células-tronco se comportam no espaço, em órbita baixa da Terra, em tempo real”, acrescentou Jamieson, observando que este tipo de pesquisa pode ter um impacto direto no gerenciamento da saúde de astronautas que se preparam para ir ao espaço.
“É importante estudar a saúde das células-tronco e ver quem provavelmente será capaz de suportar os rigores do espaço — é estressante subir, é estressante descer e é estressante estar lá em cima.”
A Nasa conduziu um dos primeiros experimentos sobre os efeitos dos voos espaciais em células-tronco em 2010, usando o ônibus espacial Discovery. Chamado de Experimento de Regeneração de Células-Tronco, investigou como a microgravidade afetava a capacidade das células-tronco embrionárias de camundongos de se transformarem em outros tipos de células.
No novo estudo, os pesquisadores examinaram células-tronco da medula óssea doadas por pacientes submetidos a cirurgia de substituição do quadril. As células-tronco, que estão diretamente conectadas à saúde do sistema imunológico e do sangue, foram colocadas em uma matriz de esponja estéril, alojadas em biorreatores especialmente desenvolvidos do tamanho de um telefone celular. A bordo da Estação Espacial Internacional, as células foram constantemente monitoradas por um sistema de inteligência artificial, que podia detectar seu estado em tempo real.
“Nossas células-tronco deveriam estar dormentes (inativas) 80% do tempo para manter sua função completa”, disse Jamieson. No entanto, isso não aconteceu no espaço, onde a microgravidade e a radiação cósmica influenciaram seu bem-estar.
“As células-tronco acordaram e não voltaram a dormir, e ficaram funcionalmente exaustas”, ela acrescentou. “Se nossas células-tronco se esgotam sob condições de estresse como a microgravidade, então elas não funcionarão para criar um sistema imunológico adequado.”
Algumas das células no estudo suportaram até 45 dias de voo espacial e, por estarem mais ativas que o normal, consumiram suas reservas de energia e mostraram sinais de envelhecimento acelerado. Sua capacidade de gerar novas células também foi reduzida e, segundo Jamieson, elas começaram a ativar seções normalmente ocultas do DNA chamadas elementos repetitivos ou o “genoma obscuro”.
“Sob condições de estresse, estresse realmente forte, ativamos esses elementos repetitivos”, disse Jamieson. “Estes são retrovírus que invadiram nossos genomas há milhares e milhares de anos e representam 55% de nosso DNA. Eles enviam as células-tronco para uma espiral de morte. As células simplesmente se sentem sobrecarregadas. Elas têm uma crise. Elas envelhecem muito rapidamente.”
Isso é semelhante ao estresse das células-tronco que Jamieson, que também é médica, observa nas células de pacientes com distúrbios pré-leucêmicos. Jamieson tenta impedir essas células antes que se transformem em leucemia completa, um tipo de câncer no sangue.
Jamieson, uma veterana em pesquisas de células-tronco espaciais que já trabalhou em nove missões até agora, está planejando estudos futuros que analisarão contramedidas práticas para o processo de envelhecimento.
“Podemos realmente usar esses biorreatores, ou avatares para a saúde das células-tronco, para prever quem provavelmente se sairá bem e quem provavelmente se sairá extremamente mal no espaço… e desenvolver contramedidas”, ela acrescentou, mencionando alguns ensaios clínicos futuros para possíveis medicamentos para combater os efeitos dessa atividade do genoma obscuro.
A boa notícia é que as células-tronco podem se recuperar do envelhecimento acelerado uma vez que um astronauta retorna à Terra, de acordo com resultados preliminares de um estudo separado que será publicado em breve, embora a recuperação leve cerca de um ano.
A pesquisa também pode ter um impacto benéfico para pacientes com câncer, já que suas células-tronco exibem alguns dos mesmos danos relacionados ao estresse que o novo estudo detectou nas células-tronco no espaço. “Acredito que esta é uma ferramenta importante para acelerarmos o ritmo da pesquisa (sobre câncer)”, disse Jamieson.
Para os astronautas, essas descobertas significam que missões longas podem enfraquecer o sangue e os sistemas imunológicos, potencialmente aumentando os riscos à saúde, afirmou Arun Sharma, biólogo de células-tronco e professor associado de ciências biomédicas no Centro Médico Cedars-Sinai, na Califórnia. Sharma, que não participou do estudo, concordou com Jamieson que as descobertas podem ajudar cientistas a compreender o processo de envelhecimento e desenvolver novas terapias que o retardem ou revertam.
O estudo fornece fortes evidências dos possíveis danos que a exposição à radiação e a microgravidade podem causar às células-tronco, destacando os possíveis riscos à saúde associados a expedições espaciais de longa distância, disse Luis Villa-Diaz, professor assistente nos departamentos de ciências biológicas e bioengenharia da Universidade de Oakland, em Michigan. Villa-Diaz também não esteve envolvido na pesquisa.
“A boa notícia é que conhecer os potenciais efeitos negativos que a órbita terrestre baixa tem sobre o envelhecimento e função das (células-tronco) nos dá direções para abordar essas questões e desenvolver estratégias para prevenir ou neutralizar esses efeitos, e apoiar a futura exploração espacial”, acrescentou ele. “Isso frequentemente se traduz em avanços biomédicos que podem ser aplicados a pacientes na Terra.”
Embora pesquisas espaciais anteriores sobre células-tronco sugerissem vulnerabilidades de maneiras mais indiretas ou limitadas, este estudo fornece evidências muito mais claras do envelhecimento, disse Elena Kozlova, professora do departamento de imunologia, genética e patologia da Universidade de Uppsala, na Suécia.
Kozlova, que também não fez parte da nova pesquisa, observou que nem todos os estudos sobre células-tronco no espaço apontam na mesma direção. Sua própria pesquisa com células-tronco em desenvolvimento inicial em foguetes de pesquisa de microgravidade — operados pela Corporação Espacial Sueca — mostrou um aumento nos genes associados ao crescimento.
Essa descoberta, acrescentou ela, sugere que sob certas condições o voo espacial pode até promover um estado mais jovem em algumas populações de células-tronco.