Caçadores de centenários: dá para viver mais de 100 anos com saúde?

Para quem pensa que envelhecer é um processo vital que leva inevitavelmente a perdas — cognitivas, sociais e de autonomia —, a ciência vem mostrando que essa história pode ser diferente. No Brasil, uma pesquisa contemporânea mostra que algumas pessoas conseguem não apenas viver mais, mas também viver bem por muito mais tempo.

Coordenado pela professora Mayana Zatz, o chamado Projeto 80+, iniciado em 2008 no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco da USP (Universidade de São Paulo), pesquisou o genoma de mais de 160 pessoas com 100 anos ou mais, com o objetivo de entender o que faz alguns corpos resistirem ao tempo com lucidez, força e alegria.

“Quanto mais idosa é a pessoa, maior tende a ser a contribuição genética para o envelhecimento saudável”, explica a professora do Instituto de Biociências (IB) da USP em uma palestra recente no curso Divulgação Científica para Comunicadores e Jornalistas, oferecido pela universidade paulista.

Publicado em março de 2022 na revista científica Nature Communications, o estudo apresenta “um conjunto de dados sequenciamento do genoma completo de 1.171 idosos brasileiros altamente miscigenados de uma coorte baseada em censo, fornecendo mais de 76 milhões de variantes, das quais cerca de 2 milhões estão ausentes de grandes bancos de dados públicos”.

Durante a pandemia da Covid-19, a equipe focou em um grupo de 100 pessoas com mais de 90 anos, que se curaram da infecção ou permaneceram assintomáticas. A pesquisa — que envolveu 20 centenários e três supercentenários (acima de 110 anos) — investigou os chamados “genes protetores”, que funcionam como um escudo biológico.

O segredo dos genes protetores para a saúde e longevidade

Genes protetores ajudam o organismo a resistir melhor a doenças, ao envelhecimento e a influências ambientais negativas • Freepik
Genes protetores ajudam o organismo a resistir melhor a doenças, ao envelhecimento e a influências ambientais negativas • Freepik

Os genes protetores são o grande diferencial que os pesquisadores identificaram ao sequenciar os genomas de centenários brasileiros, para ver quais variantes genéticas estavam associadas à longevidade saudável. A análise é inédita em pessoas altamente miscigenadas, apontando para novas combinações e variantes raras.

Segundo a professora Mayana, o que torna o estudo da USP único no mundo é o fato de os pesquisadores estarem conseguindo reprogramar as células do sangue dos centenários para se comportar como células-tronco embrionárias. Com isso, é possível transformá-las em células musculares, ósseas e nervosas, para estudar suas especificidades.

Entre as pessoas estudadas pelos “caçadores de centenários”, nome carinhoso dado por Zatz ao grupo de pesquisa, estava a Irmã Inah Canabarro Lucas, uma freira e professora gaúcha que era a pessoa mais velha do mundo quando faleceu em 30 de abril de 2025, aos 116 anos.

Como os demais longevos — que “não são grandes em altura”, segundo a líder de pesquisa —, a freira recordista era baixinha, dizia comer de tudo, menos banana, e não fazer nenhum tipo de dieta. Conforme os pesquisadores, para aqueles que nascem com os genes certos, o corpo supera desafios que seriam fatais para outras pessoas.

Entre os achados interessantes, diz Zatz, está a observação de que, entre idosos acima de 90 anos, os fatores genéticos têm um peso maior na saúde e na longevidade do que os fatores ambientais e comportamentais (alimentação, exercício, poluição, hábitos de vida). Em idades muito avançadas — como acima de 90 anos — o impacto da genética pode chegar a 80%.

O Brasil como laboratório da longevidade

O cearense João Marinho, com 113 anos, é hoje o homem mais velho do mundo • Wikimedia Commons/Reprodução
O cearense João Marinho, com 113 anos, é hoje o homem mais velho do mundo • Wikimedia Commons/Reprodução

Em um dos desdobramentos do Genoma USP, os pesquisadores estão estudando como certas alterações químicas no DNA, conhecidas como modificações epigenéticas, podem afetar a longevidade. Elas não mudam a sequência do DNA, mas ligam ou desligam genes, influenciando as funções do organismo.

Uma das descobertas foi sobre o MUC22, gene que ajuda a produzir mucinas, proteínas que formam o muco das vias respiratórias e participam da imunidade e do controle da inflamação pulmonar. O estudo foi publicado em outubro de 2022, na revista Frontiers in Immunology.

No gene, os pesquisadores detectaram variantes missense, ou seja, alterações no DNA que trocam um aminoácido por outro na proteína codificada pelo gene. Essas trocas, que mudam o funcionamento da proteína, parecem ter protegido os superidosos de forma mais eficaz do que pacientes mais jovens na pandemia.

Apesar de não ter provado que as variantes causaram a proteção (somente que coincidiram com ela), o estudo abre caminho para futuras pesquisas que, editando genes humanos, reproduziriam esse efeito benéfico, tornando nossa mucosa respiratória mais resistente a vírus.

Embora a possibilidade de corrigir genes defeituosos, ou mesmo transformar genes comuns em protetores, esteja ainda eticamente e tecnicamente distante, a perspectiva é inspiradora. “Será que no futuro a gente vai poder fazer edição desses genes protetores para as pessoas que não tiveram a sorte de nascer com esses genes premiados?”, questiona Mayana Zatz.

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