Quarenta anos atrás, nas primeiras horas de 1º de setembro, imagens granuladas em preto e branco de um cilindro de metal apareceram nos feeds de vídeo no centro de comando do Knorr, um navio de pesquisa que vasculhava o fundo do Atlântico em busca do naufrágio mais famoso do mundo: o Titanic.
Os quatro membros da equipe de vigilância, suspeitando que o objeto pudesse ser a caldeira de um navio naufragado, não conseguiam se desviar do que se desenrolava na tela, então enviaram o cozinheiro da equipe para acordar Bob Ballard, o cientista-chefe da expedição, que procurava os destroços desde a década de 1970. Ele estava acordado, lendo em seu beliche.
O cozinheiro “nem terminou a frase. Eu pulei para fora. Literalmente vesti meu traje de voo por cima do pijama, que só tirei depois de vários dias”, lembrou Ballard, cientista sênior emérito em física oceânica aplicada e engenharia no Instituto Oceanográfico Woods Hole, em Massachusetts.
A CNN conversou com Ballard e um membro de sua equipe, Dana Yoerger, cientista sênior em robótica marinha da Woods Hole, antes do 40º aniversário da descoberta do Titanic. Eles relataram a inusitada cadeia de eventos que levou àquele avistamento impressionante — e como a aventura não parou por aí.
“Quando entrei, vimos uma foto da caldeira na parede e olhamos”, disse Ballard. “Percebemos que era definitivamente do Titanic, e a confusão se instalou.”
Mesmo antes de Ballard e sua equipe encontrarem os destroços, 73 anos após a icônica embarcação ter zarpado em 1912, o Titanic já era fonte de fascínio incessante. O navio “inafundável” afundou em sua viagem inaugural em uma era dourada com os mais ricos dos Estados Unidos a bordo, uma história de insensatez humana, preconceito de classe e fracasso tecnológico.
Sua descoberta em 1985 apenas intensificou a atração do Titanic pela imaginação do público; ele deu origem a um filme de sucesso em 1997 que continua sendo um dos de maior bilheteria da história do cinema, vários documentários e exposições em museus e, para aqueles com muito dinheiro, viagens arriscadas para ver seu local de descanso final a cerca de 3.900 metros abaixo da superfície do oceano, uma das quais, em 2023, resultou em uma nova tragédia.
Para exploradores oceânicos como Ballard e seus colegas, encontrar o Titanic foi como escalar o Monte Everest pela primeira vez. A tecnologia do protótipo que tornou isso possível transformou a exploração e a ciência em águas profundas, expandindo enormemente o conhecimento dos cientistas sobre o oceano. Mas mesmo com as ferramentas certas, foi necessária uma mudança de estratégia inspiradora para descobrir o icônico naufrágio.
A busca escondeu uma missão ultrassecreta
A busca pelo Titanic em 1985 não foi a primeira tentativa de Ballard de localizar os destroços. Uma expedição em 1977 fracassou quando um tubo de perfuração de 914 metros, ao qual estavam acoplados sonar e câmeras, se partiu em dois, de acordo com o livro de memórias de Ballard, “Into the Deep”, de 2021.
A experiência, aliada à necessidade de imagens ao vivo, convenceu Ballard de que veículos subaquáticos operados remotamente, capazes de transmitir vídeos para a embarcação de exploração, eram uma alternativa melhor, mas ele teve dificuldades para encontrar financiamento para sua visão.
Por fim, a Marinha dos EUA apoiou o desenvolvimento da tecnologia de Ballard, um sistema de imagens de águas profundas apelidado de Argo. A Marinha estava interessada em usá-lo para determinar por que dois submarinos nucleares, o USS Thresher e o USS Scorpion, afundaram no Atlântico na década de 1960, bem como para fins mais amplos de coleta de inteligência durante a Guerra Fria.
Ballard convenceu oficiais da Marinha a reservar algum tempo para procurar o Titanic durante a expedição para inspecionar os submarinos, uma manobra que acabou servindo como uma história de capa para a missão secreta da Marinha.
“O que as pessoas não sabiam na época, pelo menos muitas delas, era que a busca pelo Titanic era um disfarce para uma operação militar ultrassecreta que eu estava realizando como oficial de inteligência naval”, disse Ballard. “Não queríamos que os soviéticos soubessem onde o submarino estava.”
Apesar de anos de planejamento, Ballard não estava otimista que encontraria o Titanic por dois motivos: o tempo previsto para a busca era curto e uma equipe francesa, liderada pelo engenheiro Jean-Louis Michel, da instituição oceanográfica francesa IFREMER, com a qual Ballard vinha cooperando, estava usando um novo e sofisticado sistema de sonar montado no navio para localizar o local de descanso final do navio.
“O acordo era que os franceses o encontrariam”, disse Ballard, “(e) quando o encontrassem, eu teria bastante tempo, uma semana seria suficiente, para filmá-lo”.
A equipe francesa, embora estivesse perto, não encontrou os destroços, e a “câmera em uma corda” de Ballard, como ele a descreveu, avistou os destroços — auxiliada por uma área de busca significativamente reduzida após a varredura do sonar francês.
Ballard teve o que chamou de “momento de iluminação” ao mapear os destroços do submarino Scorpion, crucial para o sucesso da missão. Seu campo de destroços era uma trilha de 1,6 km de extensão, e não uma pequena área circular, como esperado. Objetos mais pesados afundaram direto, no fundo do mar, mas detritos mais leves afundaram em um ritmo mais lento, e as correntes oceânicas os levaram para mais longe.
Ele percebeu que o Titanic, que caiu a uma profundidade semelhante à do submarino Scorpion, teria um campo de detritos semelhante, se não maior, e que procurar por esse fluxo de detritos seria mais fácil do que encontrar o casco e outras partes pesadas do navio.
“Foi a tecnologia e o conhecimento de como usá-la”, disse Yoerger. Mas também “o grande fator que levou ao nosso sucesso foi a estratégia de Ballard. Ele não estava tentando encontrar a nave, mas sim o campo de destroços, que é um alvo muito maior e particularmente adequado para ser encontrado com os olhos.”
A descoberta adicionou uma nova palavra ao dicionário
O Argo filmou o Titanic em preto e branco em 1985, enquanto um sistema mais antigo chamado ANGUS, com seu sistema de câmera de 35 mm, captou imagens estáticas em tons de azul, revelando a existência dos destroços. A equipe retornou um ano depois com câmeras coloridas mais avançadas para registrar cada centímetro dos destroços, incluindo a piscina, a grande escadaria e a proa do navio, gerando imagens icônicas que ainda são familiares hoje.
Ballard também se tornou a primeira pessoa a visitar o naufrágio naquele ano a bordo do Alvin, um submersível tripulado que ele já havia pilotado, que levou mais de duas horas para chegar ao fundo do mar. Ao chegar lá, ele avistou artefatos comoventes, incluindo uma boneca de criança, garrafas de champanhe abertas e talheres. Não viu restos mortais.
Rastros de ferrugem cobriam o Titanic, criados por bactérias que se alimentavam do metal, criando pontas longas e avermelhadas — um fenômeno que Ballard chamou de “rusticles”, uma palavra que posteriormente entrou no Oxford English Dictionary.
Ballard lembrou que algumas áreas, cobertas com uma tinta rosa protetora quando o navio foi construído, pareciam intocadas. Para preservar o “solo sagrado”, Ballard disse que defendia o uso de uma abordagem semelhante — tinta protetora, talvez aplicada por robôs subaquáticos — para evitar que os destroços sofressem ainda mais erosão.
Reescrevendo livros didáticos de ciências
O local de descanso final do Titanic estava longe de ser a única descoberta de Ballard em uma longa e distinta carreira como cientista e explorador.
Expedições à Dorsal Mesoatlântica forneceram evidências cruciais da tectônica de placas, enquanto uma viagem ao fundo do mar ao longo do Rift de Galápagos revelou a existência de fontes hidrotermais e as fantásticas formas de vida que nelas vivem — demonstrando que a vida poderia prosperar sem a luz solar e precipitando novas teorias sobre suas origens.
Ballard passou a descobrir vários outros naufrágios históricos: o navio de guerra nazista Bismark, o porta-aviões USS Yorktown e o PT-109, um navio da Marinha comandado pelo presidente John F. Kennedy quando tinha 25 anos durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas seu talento vacilou em 2019, quando uma expedição para localizar o avião abatido de Amelia Earhart não encontrou nada. O explorador disse que acreditava que seria possível encontrar a aeronave com a ajuda de novas tecnologias. “Ainda está na nossa lista de desejos”, disse ele.
Embora os submersíveis operados por humanos ainda tenham um papel a desempenhar, ele afirmou que o futuro da exploração oceânica é remoto e robótico, e prevê, em última análise, que navios sem tripulação navegarão pelos oceanos do mundo. Até o momento, cerca de 27% do fundo do mar já foi mapeado.
“Estamos chegando ao ponto em que podemos lançar vários AUVs, veículos autônomos (subaquáticos), uma espécie de matilha de cães que você pode enviar. … Podemos colocar todos esses recursos na água ao mesmo tempo”, disse Ballard, cujo nome de usuário no Zoom é Capitão Nemo, em homenagem ao personagem fictício de “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Júlio Verne.
“Quer dizer, é tudo uma questão de tempo no fundo. O cálculo real que você faz é quanto tempo você fica debaixo d’água.”
Yoerger desviou seu foco do fundo do oceano e está desenvolvendo um robô subaquático que pode explorar a zona crepuscular — o oceano de águas médias de 200 a 1.000 metros (cerca de 650 a 3.300 pés) abaixo da superfície do oceano, um pouco além do alcance da luz solar, que desempenha um papel fundamental na regulação do clima do globo ao mitigar o aumento de dióxido de carbono na atmosfera.
Aos 83 anos, Ballard continua explorando ativamente o oceano. Em julho, ele retornou de uma expedição de 21 dias a bordo do Nautilus, operado por sua organização sem fins lucrativos, a Ocean Exploration Trust, a Guadalcanal, nas Ilhas Salomão , no Pacífico. Lá, ele começou a mapear embarcações e aviões perdidos durante cinco grandes batalhas navais da Segunda Guerra Mundial, entre agosto e dezembro de 1942.
“Adoro quando as crianças me dizem para parar de descobrir coisas, para que ainda haja algo para elas encontrarem”, disse Ballard. Mas ele disse estar confiante de que ainda há muitas incógnitas sobre o oceano para a próxima geração de exploradores.