Um protesto inusitado percorreu ruas de diversas cidades europeias no último mês. Batizado como “Freeda Womb”, a obra foi criada para simbolizar a defesa dos direitos reprodutivos.
A ação levou às capitais um DIU inflável de seis metros de altura, que passou por Londres, Paris, Bruxelas, Berlim e Copenhague.
O motivo do protesto foi a ordem do presidente dos EUA, Donald Trump, para destruir cinco milhões de métodos contraceptivos norte-americanos armazenados na Bélgica — entre eles DIUs, implantes hormonais, preservativos e pílulas anticoncepcionais.
Esses itens haviam sido adquiridos durante o governo do ex-presidente Joe Biden e seriam enviados para países com baixo acesso à contracepção, especialmente no continente africano.
Trump anunciou, no meio deste ano, o fechamento da USAID, a maior agência distribuidora de ajuda humanitária do mundo e responsável por encaminhar esses produtos ao exterior.
Com o encerramento das operações, a administração norte-americana determinou que todos os contraceptivos fossem destruídos — medida que, segundo autoridades belgas, contraria as normas do país.
A decisão dos EUA está alinhada a uma diretriz reinstaurada por Trump que proíbe o financiamento de ONGs estrangeiras envolvidas com a realização ou promoção do aborto.
Essa orientação é aplicada mesmo quando os métodos fornecidos são exclusivamente contraceptivos, usados apenas para prevenir gestações, e não para interrompê-las.
Redefinindo a agenda de saúde global
Em entrevista à CNN, a coordenadora do Countdown 2030 Europe, organização responsável pelo trajeto do Freeda Womb, Chiara Cosentino, falou sobre o interesse dos Estados Unidos nas mudanças nessa destruição.
“Isso está realmente remodelando a agenda, especialmente a agenda global, ainda mais agora que os Estados Unidos estão implementando uma nova estratégia de saúde global, que é o America First. E, portanto, tentando preencher o vazio deixado pela interrupção e pelo desmantelamento da USAID com novos acordos bilaterais compactos, que são altamente condicionados ao que os EUA consideram ser do seu próprio interesse”, disse Cosentino.
De acordo com o governo da Bélgica, 20 dos 24 caminhões carregados com produtos contraceptivos foram armazenados de forma inadequada, o que tornou seu conteúdo inutilizado.
O restante dos itens, embora ainda utilizável, está próximo do prazo de vencimento.
Isso significa que milhões de dispositivos e medicamentos destinados à saúde reprodutiva devem acabar descartados.
“Se olharmos mais especificamente para o estoque desses 9,7 milhões de dólares em contraceptivos atualmente bloqueados na Bélgica, eles poderiam atender 1,4 milhão de pessoas que precisam desses produtos, principalmente na África. E, na realidade, os Estados Unidos agora desejam simplesmente destruir esses estoques.”, disse a ativista da organização francesa Equipop, Clara Dereudre.
Organizações da sociedade civil e o próprio governo belga já se dispuseram a comprar os estoques para redistribuí-los em outros países, mas o governo norte-americano tem recusado todas as alternativas apresentadas até agora.
“É importante saber que a destruição desses contraceptivos poderia resultar em 362 mil gestações indesejadas, 110 mil abortos inseguros – ou seja, clandestinos ou em condições de risco para a saúde da mulher -, 718 mortes maternas que poderiam ser evitadas. Tudo isso afetaria diretamente as pessoas que deveriam receber esses contraceptivos.”, completou Clara.
As entidades também alertam para outro problema: cortes recentes realizados por diversos governos europeus nos orçamentos destinados à saúde pública.
Segundo essas organizações, a combinação das medidas coloca em risco o acesso à contracepção para milhões de pessoas ao redor do mundo.
“Infelizmente, os países europeus não estão realmente preenchendo essa lacuna, porque eles também estão cortando seus próprios orçamentos. É por isso que queríamos muito mostrar que somos um movimento forte, global e que não vamos recuar.”, disse Chiara Cosentino.