O jornalista Bartolomeu Rodrigues anunciou na sexta-feira (24) a sua demissão da chefia da Assessoria de Assuntos Institucionais do Distrito Federal, após o governador Ibaneis Rocha (MDB) sancionar uma lei que cria o “Dia em Memória das Vítimas do Comunismo”.
Em uma “carta aberta”, Rodrigues afirmou que a sua demissão do governo do Distrito Federal “não é apenas um ato político – é um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjeta que institui uma data para celebrar a ‘memória das vítimas do comunismo’ no DF”.
Ele afirmou que defenderá a revogação da lei. A legislação foi assinada por Ibaneis na segunda-feira (20) e publicada na terça-feira (21). A norma inclui no calendário oficial de eventos do DF data em homenagem às “vítimas do comunismo”, a ser comemorada anualmente em 4 de junho.
Para Bartolomeu Rodrigues, a sanção da lei é uma “tentativa de revisionismo” que nega a história e “ignora cadáveres reais”. Ele mencionou o caso do jornalista Vladimir Herzog, morto durante a ditadura militar. O assassinato completa 50 anos neste sábado (25).
“Deixo o governo, mas não a luta. Enquanto tiver voz, lutarei para que se revogue esta infame lei, em nome das verdadeiras vítimas — aquelas que tombaram sob as botas da ditadura — e em nome da consciência que não me deixa calar. A consciência não se vende. A verdade não se apaga”, declarou.
No governo do DF, Rodrigues também atuou como secretário de Cultura e Economia Criativa e em outros colegiados. Ibaneis Rocha não se manifestou publicamente sobre o pedido de demissão. A CNN Brasil procurou a assessoria do governador sobre o assunto e aguarda resposta.
Veja a íntegra da carta divulgada por Bartolomeu Rodrigues:
“Comunico hoje a minha decisão de deixar o Governo do Distrito Federal, onde atuei como Secretário de Cultura e Economia Criativa e chefe da Assessoria Institucional, além de outras funções em órgãos colegiados. Não é apenas um ato político – é um imperativo ético ante a sanção de uma lei abjeta que institui uma data para celebrar a ‘memória das vítimas do comunismo’ no DF.
Esta tentativa de revisionismo nega nossa história, reabre feridas e cria fantasmas onde não existem, enquanto ignora cadáveres reais, como o do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, cujo assassinato nos porões do DOI-Codi é lembrado justo neste mês de outubro. Há 50 anos, ele foi uma das milhares de vítimas de uma ditadura militar que, em nome do “anticomunismo”, institucionalizou a tortura como política de Estado.
Também neste outubro recorda-se o desaparecimento de Honestino Guimarães, líder da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (FEUB). Em 1973, enquanto cursava Geologia na Universidade de Brasília (onde me formei), ele foi sequestrado pelo regime militar, submetido a sessões de tortura indescritíveis e só dado como morto em 1996. Tinha 26 anos. Nas palavras de Dom Paulo Evaristo Arns, “não há ninguém na Terra que consiga descrever a dor de quem viu um ente querido desaparecer atrás das grades da cadeia, sem mesmo poder adivinhar o que lhe aconteceu”.
Ver hoje o Distrito Federal, a capital da esperança sonhada por Juscelino (este também cassado de seus direitos políticos pela ditadura) adotar tal dispositivo é uma agressão à memória de JK, de Oscar Niemeyer, de Darcy Ribeiro e de todos os que se sacrificaram na luta contra o arbítrio. Representa ceder, a qualquer custo, às mentes mais retrógradas de uma página sombria de nossa história.
Por isso deixo o governo, mas não a luta. Enquanto tiver voz, lutarei para que se revogue esta infame lei, em nome das verdadeiras vítimas – aquelas que tombaram sob as botas da ditadura – e em nome da consciência que não me deixa calar. A consciência não se vende. A verdade não se apaga.”