O Senado da França aprovou mudanças na lei de estupro do país para incluir a noção de consentimento, alinhando a legislação com mais de uma dúzia de outros países europeus, em uma medida que ganhou novo impulso com o julgamento de estupro coletivo de Gisele Pelicot.
Até agora, a lei penal francesa definia o estupro como um ato de penetração ou sexo oral cometido contra alguém usando “violência, coerção, ameaça ou surpresa”.
A legislação não mencionava claramente a necessidade de consentimento e os promotores tinham que provar a intenção de estupro para garantir um veredicto de culpado.
Em dezembro passado, o marido de Gisele Pelicot admitiu em um tribunal no sul da França que drogou repetidamente sua esposa e recrutou dezenas de homens online para estuprá-la enquanto ela estava inconsciente.
Pelo menos 35 dos citados por Dominique Pelicot negaram as acusações de estupro, argumentando perante o tribunal que estavam participando de um jogo sexual ou que Gisele Pelicot estava fingindo dormir.
Todos foram considerados culpados, mas suas tentativas de escapar da Justiça chamaram a atenção para uma zona cinzenta da lei.
A nova lei, que precisa ser sancionada pelo presidente Emmanuel Macron antes de entrar em vigor, estabelece que o consentimento deve ser “dado livremente e informado… e passível de ser retirado”.
O consentimento deve ser avaliado “à luz das circunstâncias” e “não pode ser presumido pelo simples silêncio ou pela ausência de resistência por parte da vítima”.
A definição atualizada deve ajudar a garantir as condenações, disse à Reuters Catherine Le Magueresse, especialista jurídica e defensora da nova lei.
“Anteriormente, se pudéssemos mostrar em um caso que não houve consentimento, mas o agressor não usou de violência, coerção, ameaça ou surpresa, essa pessoa poderia não ser considerada culpada”, disse ela.
Uma definição baseada no consentimento também deve ajudar a educar homens e mulheres jovens sobre a “reciprocidade do desejo”.
Reforma legislativa
A França se junta à Suécia, Alemanha, Espanha, Reino Unido e vários outros países europeus, onde já existe uma lei de estupro baseada no consentimento.
A ascensão do movimento feminista #MeToo levou a uma reforma legislativa em algumas jurisdições desde 2017.
A mudança já vinha sendo debatida na França. Alguns ativistas dos direitos das mulheres advertiram que o enfoque no consentimento poderia resultar na investigação indevido sobre o comportamento e as palavras da vítima, em vez de no agressor.
Eles argumentam ainda que uma pessoa pode dizer “sim” sem querer.
Em uma declaração conjunta, as parlamentares Marie-Charlotte Garin, do Partido Verde, e Véronique Riotton, do Partido Centrista, que defenderam o projeto de lei, saudaram a “vitória histórica”, mas disseram que a luta contra a violência sexual ainda não terminou.
“Os recursos do sistema judiciário, das organizações de apoio e da aplicação da lei devem ser fortalecidos; o apoio às vítimas deve ser melhorado; a educação sexual deve ser implementada de forma eficaz”, disseram elas.