Análise: Trump retorna à ONU como símbolo de uma nova ordem mundial

Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, levou sua característica ostentação ao pódio das Nações Unidas em seu primeiro mandato, ele foi recebido com uma resposta desconhecida para ele pelos delegados: risadas.

Sete anos depois, poucos imaginam que a cena possa se repetir. Antes alvo de ceticismo e zombaria aberta por seus pares estrangeiros, Trump chega à Assembleia Geral da ONU nesta terça-feira (23) como símbolo de uma ordem mundial em transformação que tem pouco apreço por instituições globais como aquela em que discursará.

Em vez de rirem, líderes mundiais agora elaboram demonstrações cada vez mais extravagantes de bajulação para conquistar seus favores.

E ao invés de um novato em um templo do multilateralismo, Trump é agora o presidente que abalou os arranjos globais de comércio e segurança, enquanto esvaziava o sistema internacional do pós-Segunda Guerra Mundial que seus antecessores construíram e se empenharam em manter.

Os sucessos e fracassos de sua estratégia continuam sendo escritos. Dois conflitos que ele prometeu encerrar rapidamente — em Gaza e na Ucrânia — continuam ardendo; seu plano de abandonar uma abordagem coletiva em favor de relações pessoais próximas com os líderes de Israel e Rússia até agora não produziu praticamente nenhum avanço.

Após o discurso desta (23) terça-feira, Trump planeja encontrar-se com diversos homólogos estrangeiros à margem das reuniões da assembleia, incluindo o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, a quem ele disse na semana passada que deveria aceitar um acordo de paz com a Rússia.

O presidente dos EUA frequentemente exalta seus esforços para mediar a paz em outras regiões, incluindo um conflito antes intratável entre Armênia e Azerbaijão, pelo qual recebeu amplo reconhecimento. Seu papel em outras negociações, incluindo entre Índia e Paquistão, é objeto de debate.

De qualquer forma, o líder republicano deixou claro que acredita que seus esforços merecem um Prêmio Nobel da Paz — em grande parte porque ele considera ter obtido sucesso onde tentativas anteriores, inclusive por meio da ONU, falharam.

Em seu discurso na manhã desta terça-feira, Trump planeja enfatizar onde seu método funciona melhor — incluindo em questões globais compartilhadas como migração e comércio — e questionar a própria instituição em que está discursando.

“O presidente Trump fará um importante discurso exaltando a renovação da força americana ao redor do mundo, suas conquistas históricas em apenas oito meses, incluindo o fim de sete guerras e conflitos globais”, declarou a secretária de imprensa Karoline Leavitt na segunda-feira (22). “O presidente também abordará como as instituições globalistas deterioraram significativamente a ordem mundial, e articulará sua visão direta e construtiva para o mundo.”

Trump e a Organização das Nações Unidas

Trump nunca demonstrou ser um admirador particular da ONU. Mesmo antes de se tornar presidente, ele criticou o mármore “barato” do pódio da Assembleia Geral e se ofendeu quando suas ofertas para renovar o edifício-sede de 39 andares foram rejeitadas no início dos anos 2000.

Não foi sua primeira disputa. Na década anterior, diplomatas lotados na sede da instituição resistiram aos planos do incorporador imobiliário de construir a Trump World Tower do outro lado da Primeira Avenida, em frente à sede.

A preocupação deles: a torre, com sua fachada de vidro fumê, projetaria uma sombra alaranjada desagradável sobre o icônico complexo modernista da ONU, que desfrutava de sua posição ensolarada no extremo leste por décadas.

Agora em seu segundo mandato, a influência do americano está bem consolidada nos assuntos mundiais, e a ONU não foi poupada.

Os EUA reduziram drasticamente o dinheiro que gastam com a instituição, não fazendo mais pagamentos para o orçamento da organização. O atual governo cortou financiamentos para ajuda humanitária internacional e operações de manutenção da paz, deixando a instituição em dificuldades financeiras.

“Sempre senti que a ONU tem um potencial tremendo”, disse Trump este ano ao assinar uma medida retirando os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Ela não está atingindo esse potencial no momento.”

Além do Conselho de Direitos Humanos, Trump retirou os EUA da UNESCO, a agência educacional e cultural, que a Casa Branca alegou “apoiar causas culturais e sociais progressistas e divisionistas”, e da Organização Mundial da Saúde, em parte por sua gestão da pandemia de Covid-19.

Nas votações do Conselho de Segurança da ONU, principal mecanismo do órgão para garantir a paz e a segurança internacional, os Estados Unidos às vezes se alinharam com adversários em vez de aliados.

Em fevereiro, por exemplo, os EUA se juntaram à Rússia e à China para aprovar uma resolução do Conselho de Segurança sobre a Ucrânia que não culpava Moscou pela guerra; cinco países europeus se abstiveram.

Trump analisa a possibilidade de voltar a contribuir financeiramente com a OMS  • Foto: Leah Millis - 16.mar.2020/Reuters
Trump analisa a possibilidade de voltar a contribuir financeiramente com a OMS  • Foto: Leah Millis – 16.mar.2020/Reuters

Trump também está em desacordo com mais da metade das nações membros, incluindo aliados-chave, sobre a guerra de Israel em Gaza e a possibilidade de estabelecimento de um Estado palestino.

França e Arábia Saudita co-presidiram uma conferência sobre a solução de dois Estados na segunda-feira (22), apoiada por quase 150 dos 193 Estados-membros da ONU.

Os EUA não participaram da conferência e foram um dos apenas dez países que votaram contra a resolução da Assembleia Geral que respaldava o encontro de alto nível.

Nesta terça-feira (23), Trump — que tem sofrido pressão para intensificar as exigências a Israel pelo fim dos combates — receberá líderes de diversos países de maioria muçulmana, incluindo Catar, Arábia Saudita, Indonésia, Turquia, Paquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos e Jordânia, para discussões multilaterais centradas no conflito em Gaza.

Autoridades do governo americano, junto com outros republicanos, há muito argumentam que a ONU está cada vez mais hostil a Israel.

Eles também afirmam que a organização é mal administrada e repleta de má gestão financeira, e questionam a eficácia da diplomacia multilateral para resolver os problemas mundiais.

Como sinal da importância relativa do órgão para Trump, ele ficou sem embaixador na ONU por oito meses. Seu ex-conselheiro de segurança nacional Mike Waltz foi confirmado pelo Senado para o cargo na sexta-feira (19).

“Tornar a ONU Grande Novamente”, publicou Waltz na plataforma X posteriormente. “#MUNGA.”

As reuniões de Trump à margem da Assembleia Geral também incluirão a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que tem pressionado por novas sanções contra a Rússia, e o presidente argentino Javier Milei, um importante aliado do presidente que compartilha algumas de suas visões políticas.

Trump também se reunirá com o secretário-geral da ONU, António Guterres, como é padrão para presidentes americanos quando participam do encontro anual.

Os discursos do presidente em seu primeiro mandato na organização eram frequentemente monótonos, lidos de forma um tanto arrastada do teleprompter.

Ainda assim, houve momentos distintamente “trumpianos”, como quando ele chamou Kim Jong-un de “homem-foguete” e ameaçou “destruir totalmente a Coreia do Norte.”

Mais comuns eram bravatas como a que provocou zombaria em 2018, quando afirmou que seu “governo realizou mais do que quase qualquer administração na história do nosso país.”

Quando ouviu as risadas, Trump tentou minimizar. “Eu não esperava essa reação”, disse ele, “mas tudo bem.”

 


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