Nos Estados Unidos, a saga dos arquivos de Jeffrey Epstein está longe de terminar, mesmo depois do presidente Donald Trump ter mudado repentinamente de posição na noite de domingo (16) e ter dito aos republicanos para votarem a favor da sua divulgação.
Mas, independentemente do desfecho, a polêmica em torno dos arquivos abalou a aura de invencibilidade de Trump dentro do movimento MAGA (“Make America Great Again”) de uma forma que poucas, ou talvez nenhuma, coisa tenha conseguido antes.
E provou ser um enorme erro político evitável por parte de Trump.
O homem que dominou sua base eleitoral por uma década, ditando a eles o que deveria importar, recuou quando essa base decidiu que suas prioridades não coincidiam com as dele.
Esse é um momento político notável – e infeliz para Trump, particularmente agora.
A reviravolta e as consequências que ela traz
A grande notícia da noite de domingo foi que Trump pareceu ceder após meses de resistência na Câmara contra uma iniciativa para forçar a divulgação de todos os arquivos de Epstein pelo Departamento de Justiça.
Já era esperado que um número significativo de republicanos iria divergir da oposição de Trump e votar a favor da divulgação dos arquivos na votação desta semana.
“Os republicanos da Câmara devem votar pela divulgação dos arquivos de Epstein, porque não temos nada a esconder”, publicou Trump nas redes sociais.
“E é hora de superarmos essa farsa democrata perpetrada por lunáticos da esquerda radical para desviar a atenção do grande sucesso do Partido Republicano, incluindo nossa recente vitória sobre a paralisação do governo pelos democratas”, completou.
A primeira coisa a notar é que este não é o fim da questão.
Primeiro, Trump tem o hábito de mudar de ideia. Segundo, o projeto de lei ainda precisaria ser aprovado no Senado – onde o líder da maioria, John Thune, se mostrou indeciso nesta segunda-feira (17) – e ser assinado por Trump, embora seja difícil imaginar como o presidente e os senadores republicanos poderiam resistir a isso agora.
E, por último, as investigações que Trump ordenou na semana passada sobre adversários políticos ligados a Epstein poderiam, aparentemente, dar ao Departamento de Justiça um pretexto para não divulgar todos os arquivos.
Mas seria difícil até mesmo para os aliados do presidente não perceberem isso, visto que o próprio Departamento de Justiça de Trump afirmou em julho que não havia “evidências que pudessem fundamentar uma investigação contra terceiros não acusados”.
Ainda assim, a mudança de posição de Trump é um momento politicamente significativo, porque sugere que ele está desistindo de algo pelo qual lutou durante meses.
Embora ele tenha apresentado sua nova postura como estando em consonância com seus comentários anteriores sobre o assunto, trata-se de uma clara capitulação.
Na semana passada, Trump ameaçou os republicanos que a assinaram, chamando-os de “estúpidos” e acusando-os de fazer o jogo dos democratas.

Os arquivos de Epstein foram a questão central na recente disputa de Trump com a deputada Marjorie Taylor Greene, da Geórgia.
E é possível que ele estivesse prestes a ver 100 ou mais republicanos se opondo a ele na Câmara por causa disso, de acordo com estimativas dos últimos dias.
Desta vez, Trump cedeu à própria base
É provável que Trump finja que isso não foi uma repreensão pessoal a ele. Mas foi. E uma repreensão bastante notável.
Ao longo da última década, ele moldou um Partido Republicano que se resumia basicamente a uma coisa: Trump. Tudo o que ele dizia era lei.
Não importava se a ideia contrariava décadas de ortodoxia conservadora. Não importava o que os legisladores republicanos haviam defendido anteriormente. Não importava se Trump parecia estar improvisando ou infringindo a lei no processo. Não importava se ele baseava suas políticas em uma série de invenções.
A fé inquestionável que ele conquistou de sua base era imensa.
Os republicanos no Congresso raramente votaram contra a posição de Trump; quando o fizeram, foi quase sempre em questões de política externa.
Mas o caso dos arquivos Epstein mostrou que a disposição da base eleitoral em acatar Trump tem seus limites – ou pelo menos, tem quando essa base se sente suficientemente motivada e quando o capital político do presidente começa a diminuir.
O que isso prenuncia para Trump
É isso que é particularmente desfavorável para o presidente neste momento. Não é apenas o seu recuo, mas as circunstâncias e o momento em que ele ocorre.
Trump não foi acusado de qualquer irregularidade em relação a Epstein, e não havia nenhuma prova irrefutável nos milhares de documentos divulgados na semana passada.

Mas não há dúvida de que as revelações — sobre o que Trump sabia a respeito do criminoso sexual condenado e quando — foram prejudiciais para ele politicamente.
Essas revelações incluem e-mails nos quais Epstein afirmava que Trump “sabia sobre as garotas” que Ghislaine Maxwell recrutava em Mar-a-Lago, e que Trump passou horas com Virginia Giuffre, vítima de Epstein, na casa dele.
Apesar de isso parecer ruim para Trump, muitos republicanos no Congresso aparentemente decidiram que divulgar os arquivos completos do Departamento de Justiça simplesmente não era algo contra o qual pudessem votar.
Ao contrário de tantas outras coisas, eles não podiam ignorar o que sua base eleitoral vem clamando há tempos em prol da agenda de Trump.
E talvez o mais importante sobre o recuo de Trump, politicamente falando, seja o momento em que ocorreu. É um sinal de fraqueza em um momento muito ruim.
O contexto de tudo isso é a aparente fragmentação da base trumpista.
Essa base eleitoral está debatendo o quão difícil deve ser erradicar o crescente racismo e antissemitismo em suas fileiras.
Alguns setores expressam desconforto com o quão verdadeiramente “America First” (“América em primeiro lugar”, em tradução literal) são certos aspectos da agenda de Trump — coisas como o resgate financeiro da Argentina e a ameaça de guerra com a Venezuela.
Outros estão preocupados com a proximidade de Trump com as grandes empresas de tecnologia.
E o episódio com Greene provou ser uma dor de cabeça maior para Trump do que talvez qualquer um pudesse prever. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que, ao contrário de muitos republicanos moderados que o desafiaram no passado, a republicana da Geórgia está revidando em vez de apenas se opor e desaparecer timidamente. Ela também está fazendo isso a partir de uma posição de credibilidade junto à sua base eleitoral.
Durante o fim de semana, vimos vários influenciadores proeminentes do movimento MAGA e figuras ligadas ao MAGA nas redes sociais começarem a se distanciar da agenda de Trump.
De certa forma, Greene parece estar dando a parte da base trumpista a permissão para se opor com mais veemência a coisas que antes lhes causavam desconforto discreto.
E, talvez não por coincidência, isso também está acontecendo em um momento em que o capital político de Trump está em baixa.
As derrotas republicanas nas eleições deste mês reforçaram a iminente situação de Trump como presidente em fim de mandato e cristalizaram os problemas muito reais do Partido Republicano em um mundo político pós-Trump, visto que o partido quase sempre perde quando ele não está na cédula.
Diante disso tudo, não deveria ser surpresa que alguns republicanos estejam tentando imaginar como será o próximo capítulo e talvez virar a página em relação a Trump de certas maneiras.
E talvez em nenhum outro assunto seja tão fácil se distanciar de Trump quanto no caso dos arquivos de Epstein; pesquisas recentes mostraram que os americanos desaprovam a forma como seu governo lidou com os arquivos por uma margem de 3 para 1 e que 77% querem a divulgação de todos os arquivos.
Como esses números demonstram, Trump colocou os republicanos do Congresso em uma posição impossível ao pedir que seguissem suas diretrizes. Mas ainda é significativo que tantos deles, pela primeira vez, o tenham forçado a agir dessa forma.