Americanos estão acostumados à montanha-russa das políticas climáticas do país. Os EUA entraram e saíram repetidamente do Acordo de Paris, o principal tratado sobre o clima ao longo das últimas quatro presidências.
Em seu segundo mandato, o presidente americano Donald Trump não apenas adota uma postura cética em relação à ciência climática, mas como sua administração está atuando para destruir os mecanismos pelos quais ela, ou qualquer futura administração, de resposta às mudanças do clima.
Essas ações, que certamente serão contestadas na Justiça, vão muito além da conhecida antipatia de Trump por energia solar e eólica, ou de suas promessas de intensificar a perfuração de petróleo, mesmo com os EUA já sendo o maior produtor mundial da commodity.
A Agência de Proteção Ambiental (EPA) anunciou esta semana planos para declarar que as emissões de gases de efeito estufa não representam perigo para os seres humanos, uma tentativa de minar praticamente toda a regulamentação ambiental relacionada ao clima.
Mas isso é apenas um ponto entre muitos. Veja outros:
- Em vez de continuar o afastamento do carvão, a administração Trump quer fazer uma guinada: ele assinou decretos para impulsionar a indústria do carvão e ordenou à EPA que acabasse com os limites federais para poluição de usinas a carvão e gás, já associadas às mudanças climáticas.
- Créditos fiscais para veículos elétricos continuaram durante o primeiro mandato de Trump e foram ampliados na presidência de Joe Biden. Agora, os republicanos decidiram encerrá-los abruptamente no próximo mês.
- O governo Trump também está eliminando os incentivos do governo dos EUA, implementados sob Biden, para projetos de energia renovável, o que na prática tem encarecido o custo da eletricidade.
- Trump e republicanos no Congresso aprovaram leis que retiram da Califórnia a autoridade de proibir a venda de novos veículos a gasolina a partir de 2035.
- O líder americano também deverá revogar os padrões nacionais de emissões veiculares estabelecidos pela EPA de Biden, além de desafiar o histórico direito da Califórnia de regular as emissões de escapamento.
- Os autores de um relatório climático exigido pelo Congresso foram todos demitidos; versões anteriores do relatório — a Avaliação Nacional do Clima, que mostrava os possíveis efeitos das mudanças climáticas nos EUA — foram removidas de sites do governo.
- Outros países, grandes e pequenos, se reunirão no Brasil no fim do ano para discutir como o mundo deve responder às mudanças climáticas. Em vez de assumir papel de liderança, os EUA não participarão.
- Cortes no funcionalismo público federal atingiram diretamente escritórios e funcionários dedicados às questões climáticas.
E a lista continua, mas a medida da administração Trump de tentar revogar a “constatação de perigo” (endangerment finding) pode ter o efeito mais duradouro.
Relatório climático do governo
Essa declaração, feita em 2009, reconhece que a poluição causada por combustíveis fósseis representa risco à saúde humana — e é o que permite que a EPA regule emissões de gases de efeito estufa com base na Lei do Ar Limpo.
Agora, já prevendo o fim dessa constatação, o administrador da EPA, Lee Zeldin, vangloriou-se de estar promovendo a “maior ação de desregulamentação da história dos Estados Unidos”.
É o tipo de declaração que empolga quem não vê ameaça nas mudanças climáticas, mas assusta profundamente quem vê.
Zeldin é um ex-congressista com pouca experiência em política ambiental, mas com lealdade comprovada a Trump. Ele descreve sua missão na EPA menos como proteger o meio ambiente e mais como libertar empresas da regulamentação.
A administração Trump justifica sua tentativa de anular a constatação de perigo com base em um relatório encomendado a cinco céticos às mudanças climáticas.
Após um período de consulta pública, o governo americano poderá revogar oficialmente a constatação no outono. Isso, na prática, impediria o uso da Lei do Ar Limpo como ferramenta de combate às mudanças climáticas.
Contrapontos
O secretário de Energia, Chris Wright, que enriqueceu na indústria do faturamento hidráulico (fracking), foi quem encomendou o relatório. No prefácio, ele não nega a existência das mudanças climáticas.
“As mudanças climáticas são reais e merecem atenção”, escreveu. “Mas não são a maior ameaça à humanidade. Essa distinção pertence à pobreza energética global.”
Ou seja, para Wright, cortar emissões de carbono causa mais danos aos humanos do que o próprio aquecimento global.
Essa é uma visão minoritária entre os cientistas, que já publicaram milhares de estudos revisados por pares alertando sobre a gravidade da crise climática. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), por exemplo, divulga relatórios com centenas de autores de todo o mundo.
A administração Trump barrou a participação de cientistas do governo dos EUA no próximo relatório do IPCC, previsto para 2029.
Ondas de calor, doenças respiratórias e fenômenos extremos
Katie Dykes, comissária do Departamento de Energia e Proteção Ambiental de Connecticut, afirmou que não é mais preciso um relatório do governo para perceber os efeitos das mudanças climáticas.
“Vemos que os impactos climáticos já fazem parte do dia a dia dos nossos residentes e comunidades”, disse Dykes.
“De formas previstas pelos cientistas anos atrás, esses impactos estão acontecendo mais rápido e são mais severos do que esperávamos.”
Ao declarar que as emissões de gases do efeito estufa não representam perigo, a administração Trump está transferindo a responsabilidade de lidar com as mudanças climáticas para os cidadãos. “Esse esforço de desmontar uma estrutura de décadas abandona nossas comunidades, que ficam com o ônus dos custos e impactos climáticos”, disse Dykes.
Entre esses impactos estão doenças respiratórias, eventos climáticos extremos, prejuízos à infraestrutura, à moradia e aos bairros.
“Já vivenciamos essas consequências em nosso estado, calor extremo, secas, incêndios florestais e inundações”, completou Dykes. “Ver a EPA se afastar de sua missão de décadas — proteger a saúde pública, reduzir a poluição e estabelecer padrões sensatos — é profundamente preocupante”, concluiu.
Um documento legal, mas não científico
O relatório da administração Trump não deve ser visto como um documento científico, segundo Andrew Dessler, diretor do Centro de Clima Extremo do Texas A&M University.
“O objetivo deles não é pesar as evidências de forma justa, mas sim construir o argumento mais forte possível em defesa do CO₂”, disse ele à repórter Ella Nilsen. “Isso rompe completamente com as normas da ciência.” Nilsen conversou com diversos cientistas após a divulgação do relatório.
Phil Duffy, cientista-chefe da Spark Climate Solutions, ONG voltada para a crise climática, afirmou que dezenas de milhares de americanos morrem a cada ano por poluição do ar por partículas, mas os números vinham caindo à medida que os EUA reduziam o uso do carvão. A administração Trump poderia reverter essa tendência.
Michael Mann, diretor do Centro Penn para Ciência, Sustentabilidade e Mídia, vê hostilidade à ciência na gestão Trump.
“Desde Stalin e o Lysenkoísmo soviético não se via tamanha distorção da ciência a serviço de uma ideologia”, afirmou Mann, referindo-se às desastrosas interferências políticas na ciência durante a União Soviética.