Análise: Coreia do Sul aprendeu lição profunda sobre como lidar com Trump

Empresas ao redor do mundo estão aprendendo uma lição em massa: qualquer acordo feito com o governo do presidente Donald Trump vem com um grande asterisco.

Isso porque você pode acreditar que está fechando um acordo alinhado com a agenda Trump de reconstruir a indústria americana, mas mesmo bilhões de dólares comprometidos com esse projeto podem não ser suficientes.

Na semana passada, o governo dos Estados Unidos ordenou a maior operação contra imigrantes do segundo mandato do republicano, enviando quase 500 agentes armados para invadir o canteiro de obras de uma fábrica de baterias da Hyundai, no estado da Geórgia.

Os agentes prenderam 475 pessoas, a maioria de nacionalidade sul-coreana.

Agentes de imigração dos EUA prendem centenas em fábrica da Hyundai, principalmente coreanos • Reuters
Agentes de imigração dos EUA prendem centenas em fábrica da Hyundai, principalmente coreanos • Reuters

De acordo com relatos de Graham Hurley e Dalia Faheid, da CNN, a cena foi brusca e violenta.

Os policiais ordenaram que os operários se alinhassem contra as paredes, exigindo datas de nascimento e números de Seguro Social, separando quem seria liberado para sair e quem seria levado ao Centro de Processamento de Imigração e Alfândega de Folkston, a mais de 160 quilômetros de distância.

Já os trabalhadores descreveram a cena como uma “zona de guerra”.

Um deles se escondeu em um duto de ar para evitar ser capturado. Outros tentaram fugir para um lago de esgoto; os agentes usaram um barco para capturá-los e, posteriormente, os promotores alegaram que um homem tentou virar o barco.

Ao final do dia, centenas haviam desaparecido. A construção no local de 1.160 hectares foi completamente interrompida.

Deportação e relacionamento com os EUA

A operação ocorreu menos de duas semanas após Trump e o presidente da Coreia do Sul, Lee Jae Myung, se reunirem no Salão Oval da Casa Branca, celebrando os US$ 350 bilhões que Seul se comprometeu a investir para expandir as operações industriais em solo americano.

Essa é a promessa de Trump, certo? Se você quer fazer negócios nos Estados Unidos, a maior economia do mundo com os clientes mais consumistas, você precisa trazer suas operações “para cá” e criar empregos para trabalhadores americanos.

As empresas frequentemente querem – ou até precisam – trazer seus próprios trabalhadores para estabelecer as operações, instalar equipamentos e treinar os funcionários menos qualificados que administrarão as operações no dia a dia.

Para os conglomerados coreanos, fazer isso com vistos não totalmente regulares não é apenas um segredo aberto, é uma necessidade, informou o jornal Financial Times na segunda-feira (8), citando executivos e grupos do setor.

Um alto funcionário coreano pontuou ao Financial Times que as empresas estavam em uma “posição impossível” depois que vários governos as pressionaram a investir na indústria americana enquanto se recusavam a facilitar vistos de curto prazo que permitiriam a conclusão dos projetos dentro do tempo previsto. (Tal acordo exigiria ação do Congresso, segundo o jornal).

As autoridades americanas, e a Geórgia em particular, há muito tempo “faziam vista grossa” para trabalhadores vindos da Coreia com documentação questionável, frequentemente para “períodos intensos” de atividade de construção, disse Jonathan Cleave, diretor administrativo para a Coreia na Intralink, uma consultoria que apoia projetos de investimento estrangeiro nos EUA.

“Na Geórgia, sempre aplicaremos a lei, incluindo todas as leis de imigração estaduais e federais”, alertou um porta-voz de Brian Kemp, governador do estado.

“O Departamento de Segurança Pública coordenou com o ICE [Imigração e Alfândega dos EUA] para fornecer todo o suporte necessário para esta operação, a mais recente em uma longa linha de cooperação e parceria entre a aplicação da lei estadual e a aplicação da lei federal de imigração”, acrescentou o porta-voz.

Ainda há muito que não sabemos sobre os cerca de 300 trabalhadores coreanos, incluindo que tipo de vistos eles tinham. Muitos dos outros 175 trabalhadores detidos na operação são latinos, segundo vários deles que falaram à CNN.

Um porta-voz da Hyundai afirmouque nenhum é funcionário direto da montadora. Cerca de 50 são empregados da LG Energy Solutions, e outros 250 trabalham para a HL-GA Battery Company, que opera sob a Hyundai e a LG.

Autoridades sul-coreanas disseram que fretariam um voo para levar os trabalhadores detidos de volta ao seu país de origem ainda esta semana.

“Bofetada” na Coreia do Sul

O que sabemos é que a decisão de invadir a fábrica foi recebida como uma bofetada pela Coreia do Sul, um dos aliados mais próximos dos Estados Unidos e sexto maior parceiro comercial, e certamente terá um efeito inibidor sobre qualquer empresa que pense em fechar um acordo com o governo Trump.

De acordo com vários veículos de comunicação, a operação foi manchete em toda a Coreia do Sul durante o fim de semana, destacando imagens de trabalhadores — algemados nos pulsos, cintura e tornozelos — sendo transportados em ônibus.

“Estou realmente sem palavras e furioso”, afirmou Choi Jong-gun, ex-vice-ministro das Relações Exteriores, ao jornal Washington Post.

“Estamos lá para ajudar a impulsionar as indústrias americanas… e uma vez que estejam estabelecidas, haverá boa infraestrutura para aumentar o emprego americano. Mas o que vimos foram aqueles coreanos acorrentados com algemas e tratados como se fossem terroristas ou um bando de bandidos”, adicionou.

Embora a Hyundai tenha dito à CNN que seu “compromisso de investimento nos EUA permanece inalterado”, algumas de suas viagens de negócios ao país americano seriam “sujeitas a revisão interna”. Já havia um clima tenso antes da operação da semana passada.

Como observa a rede de televisão americana Bloomberg, a Samsung emitiu diretrizes internas sobre viagens de negócios aos EUA com vistos de curto prazo, dizendo aos funcionários que as viagens não devem exceder duas semanas.

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