Análise: Ataque ao Catar expõe limites da proteção dos EUA no Oriente Médio

O Catar está perdoado por pensar que estava imune a ataques israelenses.

O pequeno país do Golfo Pérsico é um aliado fundamental dos Estados Unidos, que recebeu o presidente Donald Trump há apenas quatro meses. Tapetes vermelhos foram estendidos, acordos bilionários foram fechados e um polêmico avião de luxo da família real foi dado de presente ao presidente americano.

Quanto ao seu papel como mediador para pôr fim à guerra em Gaza, o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al-Thani, encontrou-se pessoalmente com o negociador-chefe do Hamas, Khalil Al-Hayya, na segunda-feira (8), para pressionar por um novo cessar-fogo liderado pelos EUA e pelo acordo sobre os reféns.

A resposta do Hamas era esperada em uma reunião de acompanhamento na noite de terça-feira (9); algumas horas antes dessa resposta, jatos israelenses atingiram um prédio residencial em Doha, matando cinco membros do Hamas e um oficial de segurança do Catar.

Fumaça em Doha, capital do Catar, depois que explosões foram ouvidas em ataque de Israel contra oficiais do Hamas • Ibraheem Abu Mustafa/Reuters
Fumaça em Doha, capital do Catar, depois que explosões foram ouvidas em ataque de Israel contra oficiais do Hamas • Ibraheem Abu Mustafa/Reuters

A sensação de choque e traição é palpável na capital do Catar. O vocabulário usado pelo primeiro-ministro do Catar é forte, evocativo e contundente, um distanciamento de sua habitual resposta contida às incessantes reviravoltas da tentativa de pôr fim à guerra em Gaza.

Em entrevista à CNN na quarta-feira (10), Jassim Al-Thani descreveu o ataque como “terrorismo de Estado” e alertou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de que “acabou com qualquer esperança” para os reféns e minou “qualquer chance de paz“.

O primeiro-ministro catari também afirmou que o líder israelense deve ser “levado à justiça”, acusando-o de violar “todas as leis internacionais”.

Um país sem laços diplomáticos com Israel convidou suas delegações a negociar indiretamente com o Hamas; um esforço apreciado pelo presidente Trump, que disse que Doha “corajosamente assumiu riscos conosco para negociar a paz”.

O Catar também é considerado como vítima de um ataque em nome dos Estados Unidos quando o Irã atacou a base militar de Al Udeid em junho deste ano, a maior instalação militar americana na região.

Teerã afirmou que foi em resposta aos ataques americanos às suas instalações nucleares. Doha emitiu uma forte condenação, mas não fez muito além disso.

Questionando a guinada em direção aos EUA

A mensagem deste ataque não se limita às fronteiras do Catar. Nações do Golfo, que durante décadas se voltaram ativamente para os EUA, política e financeiramente, podem agora questionar os supostos benefícios dessa escolha.

As garantias de segurança dos EUA estavam implícitas nos acordos firmados e nos memorandos assinados. Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos prometeram a impressionante quantia de US$ 3 trilhões em acordos durante a visita de Trump em maio, e sua parte do acordo foi mantida.

“Acredito que essas nações se perguntarão o que podem fazer para impedir futuros ataques”, disse HA Hellyer, acadêmico do Carnegie Endowment for International Peace, organização não-governamental que gera estratégias e análises independentes.

“Mas também em que tipo de arquitetura de segurança precisam investir agora, em vez de depender de um parceiro que não foi capaz de protegê-las nem mesmo de um de seus próprios aliados”, acrescentou o acadêmico.

O dano à confiança entre os EUA e seus parceiros do Golfo já foi causado, embora ainda não esteja claro em que medida, e depende em grande parte das garantias do presidente americano aos seus aliados e das mensagens públicas a Israel.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita • Brian Snyder/Reuters via CNN Newsource
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Mohammed Bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita • Brian Snyder/Reuters via CNN Newsource

Uma questão mais ampla deveria ser que tipo de efeito desencorajador isso terá sobre os futuros esforços de mediação.

Embora o Catar não tenha fechado a porta para a mediação de paz em Gaza, as negociações estão, na melhor das hipóteses, no limbo e, na pior, nas brasas da mais recente tentativa de assassinato de Israel.

Hasan Alhasan, pesquisador sênior de Política do Oriente Médio no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, disse: “Este é o tipo de risco que poucos países da região estarão dispostos a suportar em troca de um papel de mediação”.

O Catar e o Egito são mediadores de longa data entre Israel e o Hamas. O Omã facilitou as negociações entre o Irã e os EUA e, com mais sucesso, entre os EUA e os Houthis.

Os Emirados Árabes Unidos facilitaram a troca de prisioneiros entre a Rússia e a Ucrânia. A Arábia Saudita está se posicionando como um local para negociações de paz em diversos conflitos.

Os líderes de cada um desses países acompanharão de perto a resposta do presidente Trump diante do que parece ser a impotência dos EUA no Oriente Médio. E a crença há muito expressa por muitos na região sobre a intenção de Israel de sabotar as negociações de paz só foi fortalecida pelos ataques de terça-feira.

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