Presente em casas, vitrines e celebrações de fim de ano, a poinsétia costuma ser percebida apenas como um ornamento típico de dezembro. No entanto, sua ligação com o Natal é resultado de um percurso histórico complexo, que envolve religiosidade indígena, apropriação cristã, ciência botânica e transformação econômica.
O artigo científico publicado na Chronica Horticulturae, em 2011, revisa esse percurso e desmonta mitos ao mostrar como a planta se tornou um símbolo cultural duradouro, enraizado em práticas muito anteriores à sua popularização comercial.
Uma planta cercada de mitos e significados
O estudo descreve a poinsétia como uma planta “envolta em mitos e lendas”, condição que reflete sua presença contínua em contextos simbólicos ao longo da história. Essa aura mítica não é casual: a espécie ocupou papéis religiosos, sociais e estéticos em diferentes culturas.
Os autores reconstroem a trajetória da poinsétia desde sua origem mesoamericana até sua consolidação como a planta envasada mais valiosa do mercado ornamental norte-americano.
Antes do Natal: a poinsétia sagrada dos povos astecas
Muito antes de ser associada ao Natal cristão, a poinsétia já possuía forte significado espiritual para os povos indígenas do México. Segundo o artigo, os nahuas chamavam a planta de cuetlaxochitl, termo ligado a flores ornamentais de valor ritual.
Embora não crescesse naturalmente em Tenochtitlán, capital do império asteca, a planta era transportada em grandes quantidades para a cidade durante o inverno. O estudo relata que a poinsétia era usada em cerimônias religiosas, além de servir como corante têxtil e possuir aplicações medicinais, extraídas de sua seiva leitosa.
Da religiosidade indígena ao Natal cristão
Com a colonização espanhola, houve uma tentativa deliberada de suprimir práticas religiosas indígenas. Ainda assim, registros históricos preservados indicam que a poinsétia continuou sendo utilizada em rituais de inverno, agora reinterpretados à luz do cristianismo.
De acordo com o artigo, missionários cristãos passaram a incorporar a planta às celebrações natalinas, especialmente por seu florescimento no inverno e por sua coloração intensa. Nesse processo, a espécie passou a ser chamada de flor de nochebuena, ou “flor da noite santa”, consolidando sua associação com o Natal no México.
A simbologia do vermelho e o florescimento no inverno
Outro aspecto central abordado pelo estudo é a coincidência entre o ciclo natural da poinsétia e o calendário cristão. A planta floresce naturalmente no inverno do hemisfério.
As brácteas vermelhas, frequentemente confundidas com pétalas, reforçaram essa ligação simbólica. Segundo os autores, a cor vermelha passou a representar festividade, alegria e celebração, contribuindo para que a poinsétia fosse reconhecida como um elemento visual do Natal muito antes da era do consumo de massa.
Joel Roberts Poinsett e os mitos sobre a “descoberta”
O artigo dedica uma seção à revisão crítica da narrativa que atribui a “descoberta” da poinsétia ao diplomata norte-americano Joel Roberts Poinsett. Embora a planta leve seu nome em inglês, os autores esclarecem que Poinsett não foi responsável por descobri-la.
O estudo aponta que espécimes chegaram aos Estados Unidos por meio de redes científicas e botânicas, especialmente na Filadélfia, no final da década de 1820. A associação com Poinsett se consolidou posteriormente como uma homenagem institucional, e não como um registro preciso de autoria botânica.
A ciência por trás da flor do Natal
Um dos avanços científicos mais relevantes relatados no estudo é a compreensão do fotoperíodo da poinsétia. Trata-se de uma planta de dias curtos, cuja floração depende de longos períodos contínuos de escuridão.
A partir do século XX, produtores passaram a controlar artificialmente a exposição à luz, sincronizando a floração com o mês de dezembro. Esse domínio técnico foi decisivo para transformar a poinsétia na “flor do Natal”, garantindo previsibilidade e escala à produção.
Quando tradição vira indústria
O artigo aponta que a poinsétia se tornou a planta envasada de maior valor econômico nos Estados Unidos, movimentando centenas de milhões de dólares anualmente.
Esse crescimento está associado à profissionalização do cultivo e ao papel de famílias produtoras, como os Ecke, que transformaram a poinsétia em um pilar da horticultura ornamental. A tradição cultural, nesse contexto, passou a caminhar lado a lado com a indústria.