O jurista e professor Wálter Maierovitch afirmou que o STF (Supremo Tribunal Federal) vive um “pecado original” relacionado à ausência de mecanismos efetivos de controle sobre a atuação de seus ministros. A avaliação foi feita durante participação no programa ‘WW Especial’, da CNN Brasil.
Segundo Maierovitch, o problema tem origem em uma interpretação do próprio STF sobre a estrutura constitucional. “O pecado original consistiu numa interpretação do próprio Supremo Tribunal Federal, no sentido até de uma visão topográfica da Constituição, de que o Supremo está acima e o Conselho Nacional de Justiça abaixo”, afirmou.
A partir dessa leitura, explicou o jurista, consolidou-se a ideia de que o STF não poderia ser fiscalizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). “O Supremo falou: ‘Não, como eu vou receber uma fiscalização ou vou receber ordens, entre aspas, ou vou receber sugestões de quem está abaixo?’”, disse. Embora o presidente do STF também presida o CNJ, Maierovitch ressaltou que a Corte se colocou fora do alcance do controle externo.
O professor comparou a situação brasileira a um clássico questionamento do direito administrativo francês. “Ora, o Supremo é o grande guardião. E os franceses perguntam: Que garder le gardian? Quem fiscaliza o fiscal?”, questionou. Para ele, hoje há apenas um instrumento formal de controle sobre ministros do STF: “O impeachment. Fora isso, o que existe? Nada”.
Maierovitch também criticou a forma como o CNJ foi estruturado desde sua criação. Ele lembrou que o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos (1935-2014), defendia a necessidade de controle externo da magistratura, mas avaliou que isso não se concretizou. “A magistratura precisa de um controle externo, e de controle externo o Conselho Nacional de Justiça não tem nada. O Supremo ficou fora em razão da colocação topográfica”, explicou.
O jurista reconheceu que há, em tese, um controle exercido pela sociedade e pela democracia, mas considerou esse mecanismo ineficaz. “Existe, evidentemente que existe, mas sem resultado, sem força”, avaliou.
Ainda durante participação no ‘WW Especial’, Maierovitch fez duras críticas a uma decisão do ministro Gilmar Mendes, classificada por ele como uma das mais problemáticas da história recente do STF. “Vamos pensar nessa última canhestra. Acho que é uma das decisões mais tortas que eu vi na história do Supremo Tribunal Federal”, criticou.
A crítica se refere a uma decisão do ministro Gilmar Mendes que restringia à PGR (Procuradoria-Geral da República) a legitimidade para apresentar pedidos de impeachment contra ministros do STF. Posteriormente, o magistrado recuou parcialmente e suspendeu os efeitos da própria decisão, após acolher solicitação da Advocacia do Senado para que a medida ficasse sem validade até que o Congresso Nacional analise e vote uma eventual atualização da Lei do Impeachment.
Segundo o jurista, a liminar concedida suspendeu, na prática, dois tipos de crimes de responsabilidade. “Ele tira a legitimação do cidadão, do eleitor, o que é evidentemente contrário até à terminologia democracia”, afirmou. Em seguida, acrescentou: “Dois tipos de crime de responsabilidade estão suspensos”.
Maierovitch detalhou que um desses crimes diz respeito à chamada “laborfobia”, relacionada ao atraso no julgamento de processos, e o outro envolve o mérito das decisões judiciais. “Aquele que atinge a dignidade e o decoro”, explicou. Para ele, a decisão acabou por proteger ministros do Supremo. “Podemos até dizer que ele blindou o Toffoli [Dias Toffoli], blindou outros ministros, blindou a si próprio”, concluiu.