Análise: Europa salva credibilidade com plano de financiamento à Ucrânia

Os líderes da União Europeia anunciaram na manhã de sexta-feira (19) um plano de financiamento multibilionário para a economia e as forças armadas da Ucrânia pelos próximos dois anos.

Os 27 Estados-membros da União Europeia não conseguiram chegar a um acordo sobre os fundos estatais russos congelados. O pacote será financiado, por ora, por meio de empréstimos, sem recorrer aos bilhões de dólares em ativos russos congelados mantidos no bloco.

Mas o compromisso é claro: a Ucrânia não devolverá um centavo até o final da guerra, e a Europa se reserva no direito de utilizar ativos russos para financiar o empréstimo.

“Se tivéssemos deixado Bruxelas dividida, a Europa teria perdido relevância geopolítica”, disse o primeiro-ministro belga, Bart De Wever. “Teria sido um desastre total”, observou.

Por enquanto, os fundos liberados pelo empréstimo serão muito bem-vindos na Ucrânia, enquanto o país luta para conter os avanços russos no campo de batalha e negocia com os EUA um plano de paz para acabar com a guerra.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, já havia dito que, sem financiamento, Kiev ficaria numa posição em que não teria dinheiro suficiente “para a vida e as armas”. Ele elogiou o plano de financiamento dos líderes europeus: “Este é um apoio significativo que realmente fortalece a nossa resiliência”, escreveu Zelensky.

Já o presidente do Conselho Europeu, António Costa, disse que o avanço é uma mensagem clara à Rússia: “Em primeiro lugar, [Moscou] não alcançou seus objetivos na Ucrânia. Em segundo lugar, a Europa apoia a Ucrânia hoje, amanhã e enquanto for necessário”.

De acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional, a Ucrânia teria um déficit de financiamento de 160 bilhões de dólares nos próximos dois anos, devido, em parte, ao corte de financiamento por parte dos Estados Unidos. A UE pretende cobrir dois terços desse montante, ou seja, cerca de 105 bilhões de dólares.

A ideia de utilizar ativos congelados não nova: tem sido cogitada desde os primeiros dias da invasão russa da Ucrânia em 2022, mas enfrenta oposição feroz de algumas potências europeias.

Em fevereiro, o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou durante uma visita à Casa Branca que a ideia de manipular fundos estatais russos seria uma violação do direito internacional. Nesta semana, ele elogiou a iniciativa europeia, dizendo que era uma “visibilidade” muito importante para a Ucrânia no seu orçamento.

Essa é mais uma barreira que, assim como muitas outras relacionadas ao apoio ocidental à Ucrânia, caiu por terra.

Negociação difícil

Mas nem tudo foi fácil. A Hungria, a Eslováquia e a Tchéquia votaram a favor do empréstimo, mas com a condição de que não fossem financeiramente afetados.

A Bélgica – que detém a grande maioria dos fundos congelados – teme futuras retaliações por parte da Rússia ou ser responsabilizada se Moscou exigir a devolução dos fundos um eventual acordo de paz.

Antes da votação, o primeiro-ministro belga, Bart De Wever, exigiu “garantias vinculativas” de todos os estados membros da UE em troca da aprovação do empréstimo. “Meras promessas verbais não são suficientes”, declarou ele no Parlamento belga na quinta-feira (18).

Até agora, a UE tem utilizado juros sobre os ativos para financiar parte do seu apoio a Kiev. Mas, à medida que os títulos vencem, são convertidos em dinheiro, e estes são os fundos que a UE queria emprestar à Ucrânia.

Na segunda-feira (150), o banco central russo entrou com uma ação judicial pedindo bilhões de dólares em danos ao depositário belga Euroclear.

O banco disse que a ação era uma medida preventiva contra o plano da UE de transferir os ativos congelados “para terceiros” através do Euroclear, segundo a agência de notícias estatal russa TASS.

Em comunicado de imprensa publicado na sexta-feira (19), o banco central russo indicou que vai pedir indenização aos bancos europeus no valor de ativos congelados e lucros perdidos.

Efeitos colaterais

As perspectivas pareciam sombrias para a Europa. O presidente dos EUA, Donald Trump, criticou os líderes europeus como “fracos” em uma entrevista recente e a nova Estratégia de Segurança Nacional do governo Trump acusou a Europa de estar “presa em uma crise política” e de sofrer de “falta de autoconfiança”.

Um plano de paz de 28 pontos, apoiado pelos Estados Unidos e divulgado no mês passado, pedia o investimento de 100 bilhões de dólares de ativos do banco central russo congelados em todo o mundo nos esforços liderados por Washington para reconstruir e investir na Ucrânia, com os EUA recebendo benefícios desses investimentos.

Os ativos congelados na Europa representam a maior parte do dinheiro de Moscou investido globalmente.

Esses fatores desencadearam uma onda de esforços diplomáticos entre os líderes europeus, indignados com a ideia de que a Casa Branca pudesse confiscar bens.

Em um ataque velado aos Estados Unidos, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, elogiou “o momento da independência da Europa” e repetiu a ideia no seu breve discurso ao Parlamento Europeu na quarta-feira (17).

A cúpula desta semana, disse ela, focou em enfrentar “a realidade de um mundo que se tornou perigoso e transacional. Um mundo de guerras, um mundo de predadores”.

“A Europa deve ser responsável pela sua própria segurança. Isto já não é uma opção, é uma obrigação”, afirmou.

A confiança entre os EUA  e a União Europeia, que durante tanto tempo foi tida como certa, evaporou neste ano.

A Europa agora se preocupa com duas frentes: os ataques da Casa Branca, mas principalmente a subversão e o antagonismo da Rússia.

Antes do início da cúpula da UE, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se referiu aos líderes do continente europeu como “porquinhos” em um discurso aos oficiais militares russos.

“Os russos estão a trabalhando dia e noite para desmembrar a Europa e são melhores nisso do que a Europa em permanecer unida”, disse Tom Keatinge, diretor do Centro de Finanças e Segurança do think tank Royal United Services Institute, à CNN.

Barco salva-vidas

A Casa Branca aproveitou publicamente as dificuldades no campo de batalha e as fraquezas estruturais da Ucrânia para alcançar um acordo de paz precipitado.

Antes da conclusão das negociações europeias, Zelensky disse que um acordo de financiamento aliviaria essa ameaça. “Teremos mais confiança na mesa de negociações se tivermos estes ativos”, observou.

A decisão do plano de financiamento trouxe alívio para Kiev e Bruxelas.

Diante aos ataques implacáveis ​​da Rússia à Ucrânia e de uma Casa Branca que aparentemente anseia por uma paz rápida – em vez de uma paz justa, a Europa parece ter jogado um bote salva-vidas para a Ucrânia. A União Europeia promete ser um aliado fortalecido de Kiev nos meses incertos que se aproximam.

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