Análise: Ataques dos EUA no Caribe configuram crimes de guerra?

As forças armadas dos Estados Unidos mataram mais de 80 pessoas em ataques militares sem precedentes contra supostos barcos que transportavam drogas no mar do Caribe.

Novas revelações sobre o destino dos indivíduos não identificados reacenderam o debate sobre a legalidade da campanha militar sem precedentes.

Segundo especialistas e juristas, se for verdade que houve uma ordem específica para matar as pessoas que se agarravam à lateral de um barco danificado, então os americanos podem ser culpados de crime de guerra ou assassinato.

O jornal Washington Post noticiou na semana passada que o secretário de Defesa Pete Hegseth deu a ordem para matar todos a bordo do barco, e que os militares realizaram um ataque duplo após a embarcação aparentemente ter sido danificada.

Segundo a reportagem do WSP, aparentemente ainda havia dois sobreviventes a bordo.

A CNN publicou posteriormente esta reportagem.

O que é um ataque de “tiro-duplo”?

Em termos militares, um “tiro-duplo” pode ser a prática de realizar um segundo ataque depois de um primeiro disparo.

A Rússia foi acusada de usar essa prática na Ucrânia para alvejar equipes de resposta a emergências.

As forças armadas dos EUA também foram criticadas durante o governo do ex-presidente Barack Obama por utilizarem essa prática com ataques de drones durante a guerra contra o terrorismo.

Casa Branca nega irregularidades

Trump disse a repórteres que “não gostaria de um segundo ataque” e que Hegseth lhe disse que “isso não aconteceu”, conforme descrito nas reportagens da mídia.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, afirmou na segunda-feira (1°) que os ataques foram ordenados pelo almirante Frank M. “Mitch” Bradley, comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA.

Os ataques do dia 2 de setembro foram realizados em “legítima defesa”, disse ela, bem como “em águas internacionais e de acordo com o direito dos conflitos armados”.

Se não for um crime de guerra, pode ser assassinato

O assassinato de pessoas ilhadas em um barco pode ser um crime sob a lei da guerra, o direito internacional ou a lei dos EUA, de acordo com Daniel Maurer, um advogado-geral aposentado do Exército que agora é professor associado na Universidade Ohio Northern.

“Sejam eles narcoterroristas designados pelo presidente ou não, sejam eles criminosos de guerra ou não, não importa”, disse Maurer a CNN.

“Matá-los enquanto estão em um naufrágio, enquanto estão fora de combate — fora de luta — é um crime de guerra.”

Mas Maurer não acredita que este ataque em particular seja um crime de guerra, já que ele não considera que os EUA estejam legalmente envolvidos em um conflito armado com quaisquer narcoterroristas.

“É apenas uma execução extrajudicial, que é um assassinato sob o direito internacional, sob nossa legislação nacional. Não há autorização para fazer isso”, afirmou.

Se os fatos demonstrarem que o ataque foi realizado para matar os sobreviventes, seria o equivalente a Hegseth ou Bradley aprovarem ou ordenarem um assassinato, o que poderia implicar “todos na cadeia de comando que participaram, planejaram e executaram o ataque”, disse Maurer, embora ele duvide que haja qualquer tipo de responsabilização criminal.

As revelações sobre a segunda colisão com um barco levaram até mesmo alguns republicanos a exigir explicações do governo. Investigações bipartidárias foram iniciadas no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado.

Matar os sobreviventes ou afundar o barco?

Quaisquer que sejam os fatos descobertos, o que eles revelarem sobre a intenção de Bradley ao ordenar o segundo ataque será crucial, de acordo com Jonathan Turley, professor da Faculdade de Direito da Universidade George Washington.

“Se a intenção dele era destruir o restante do barco, provavelmente ele estava agindo dentro da lei da guerra”, disse Turley à Fox News.

O senador Angus King, independente do estado do Maine e integrante da Comissão de Serviços Armados do Senado, afirmou que, se o ataque tinha como objetivo matar sobreviventes, seria claramente ilegal.

“Isso é um crime de guerra puro e simples. É também assassinato”, disse King à CNN.

Por que os EUA não deveriam atacar sobreviventes de um ataque?

O professor de Harvard, Jack Goldsmith, que atuou como advogado tanto no Escritório de Consultoria Jurídica do Departamento de Justiça quanto no Departamento de Defesa após os ataques terroristas de 11 de setembro já argumentou que poderia haver justificativas legais plausíveis para os ataques do governo Trump contra supostos barcos de narcotráfico.

No entanto, em uma publicação em seu boletim informativo Executive Functions, ele teve dificuldades em entender como o segundo ataque, no dia 2 de setembro, conforme descrito na reportagem do Washington Post, não violou as leis.

Ele citou o Código Lieber de 1863, da época da Guerra Civil, pelo qual o presidente Abraham Lincoln decretou que infligir ferimentos adicionais ou matar um inimigo “totalmente incapacitado” deveria ser punido com a pena de morte, caso o infrator fosse condenado.

O atual Manual de Direito da Guerra do Pentágono e a Convenção de Genebra incluem disposições de “nenhuma trégua” que proíbem “conduzir hostilidades com base no princípio de que não haverá sobreviventes”.

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