A primeira-ministra do Japão, Sanae Takaichi, provocou uma disputa diplomática com a China ao declarar, no início deste mês, que um hipotético ataque chinês a Taiwan, território reivindicado por Pequim, poderia desencadear uma resposta militar de Tóquio.
As declarações motivaram uma publicação ameaçadora de um diplomata chinês no Japão, enquanto a China apresentou um protesto formal contra o que considerou uma interferência flagrante em seus assuntos internos. Pequim, que reivindica Taiwan, não descartou o uso da força para assumir o controle da ilha.
A disputa ameaça azedar as relações entre as duas maiores economias da Ásia, que vinham se mostrando mais sólidas nos últimos anos.
A crise diplomática resultou no cancelamento de voos e excursões, na proibição da importação de frutos-do-mar e no cancelamento de uma dúzia de shows com músicos japoneses em importantes cidades chinesas.
Veja a linha do tempo da escalada da crise diplomática:

O professor de Política e Estudos Internacionais da Universidade Cristã Internacional, Stephen Nagy, analisa as tensões.
Relembre a fala de Takaichi que desencadeou a crise
Takaichi provocou uma polêmica diplomática com Pequim ao comentar no Parlamento japonês, que um ataque chinês a Taiwan poderia representar uma “situação de ameaça à sobrevivência” e desencadear uma possível resposta militar de Tóquio.
Em Pequim, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Lin Jian, declarou em uma coletiva de imprensa que as falas da primeira-ministra representavam uma “interferência grosseira” nos assuntos internos da China e um “duro golpe” nas relações bilaterais.
Segundo o professor, “quando ela disse que a situação em Taiwan é uma questão de segurança para o Japão, que provavelmente exigirá intervenção militar, isso foi realmente demais. Acho que ultrapassou a linha vermelha da perspectiva chinesa. E a China quer acabar com qualquer sugestão de que Taiwan e assuntos relacionados a Taiwan sejam política externa. Eles consideram isso política interna.”
“Eles também querem garantir que não apenas o Japão, mas outras potências médias, como a Coreia do Sul, a Austrália, o Canadá, etc., entendam as linhas vermelhas da China e não as ultrapassem ou expandam sua cooperação com Taiwan fora de uma estrutura de ‘Uma Só China’”, explica ele.

O incômodo chinês
O Ministério das Relações Exteriores da China pediu que a primeira-ministra se retrate do que chamou de falas “graves” relacionadas a Taiwan, alertando que, caso contrário, o Japão “deverá arcar com todas as consequências” dos comentários.
“Do ponto de vista da China, eles têm observado o diálogo sobre Taiwan seguir em uma direção que vai, acredito, contra os interesses fundamentais da China. Eles acreditam que Taiwan é uma província da China e que tem sido parte inalienável da China desde tempos imemoriais”, afirma Nagy.
O professor continua: “mas, nos últimos cinco ou dez anos, vimos Taiwan participar de declarações internacionais no G7, na Otan, nas reuniões do IP4 e em declarações bilaterais entre diferentes países, como o Japão e os Estados Unidos.”
O cônsul geral da China em Osaka, Xue Jian, compartilhou uma reportagem sobre as falas de Takaichi sobre Taiwan no X e comentou que “o pescoço sujo que se intromete deve ser cortado” em uma postagem agora excluída.
O Ministério das Relações Exteriores do Japão retaliou convocando o embaixador chinês pelo que classificou como declarações “extremamente inadequadas” feitas por Xue.
O Ministério das Relações Exteriores da China também convocou o embaixador do Japão no país para apresentar um “forte protesto” sobre as falas de Takaichi.
Foi a primeira vez em mais de dois anos que Pequim convocou um embaixador japonês.
A última vez que isso aconteceu foi em agosto de 2023, após o Japão liberar águas residuais da usina nuclear de Fukushima Daiichi no mar.
Qual é a situação atual de Taiwan?
A China reivindica Taiwan como sua e não descartou a possibilidade de usar a força para assumir o controle da ilha, democraticamente governada. O governo de Taiwan rejeita as reivindicações de Pequim e diz que somente seu povo pode decidir o futuro da ilha.
Taiwan fica a pouco mais de 110 km das ilhas mais ocidentais do Japão e está localizada perto de importantes rotas marítimas vitais para as importações de energia de Tóquio.
“Pesquisa após pesquisa em Taiwan sugere que a maioria dos taiwaneses não busca a independência nem a reunificação. Eles buscam manter o status quo e preservar sua independência política, sua liberdade de imprensa e seus valores de direitos humanos e democracia. Portanto, eles querem preservar isso”, analisa Stephen Nagy, professor de Política e Estudos Internacionais da Universidade Cristã Internacional.
Ele avalia que um apoio explícito à posição japonesa poderia ser interpretado por Pequim como sinal de independência. “Além disso, a falta de disciplina entre seus políticos também poderia instigar algum tipo de conflito no Estreito de Taiwan. Então, eles estão sendo disciplinados porque são eles que têm mais a perder.”
O presidente de Taiwan, Lai Ching-te, demonstrou seu apoio ao Japão com um almoço de sushi de origem japonesa, após a China indicar que baniria todas as importações de frutos-do-mar do país.
Em fotos publicadas em suas redes sociais, Lai está comendo sushi durante o almoço com atum-rabo-amarelo de Kagoshima, no Japão, e vieiras de Hokkaido.
“O almoço de hoje é sushi e sopa missô”, escreveu ele na publicação.

O que deve acontecer a seguir
“Então, acho que, quando analisarmos para onde o relacionamento está caminhando, os japoneses não mudarão sua posição. Os chineses continuarão a encontrar diferentes pontos de pressão sobre a economia japonesa. Por isso, cortaram as exportações de frutos-do-mar para a China. É provável que cortem também outras importações para a China”, disse Nagy.
O professor prevê que aconteçam inspeções pontuais em empresas japonesas na China. “Prevejo proibições de saída para alguns cidadãos japoneses. Haverá diversas táticas diferentes usadas pelos chineses para tentar moldar e influenciar a política interna japonesa. O desafio, porém, é que, a cada vez que usam essas táticas, o Japão aprende a lidar com elas, e outros países também aprendem a lidar com a coerção chinesa, e essas táticas se tornam menos eficazes, e não mais eficazes, com o passar do tempo.”