A segurança pública, por meio do projeto antifacções aprovado pela Câmara dos Deputados na terça-feira (18), acabou unindo o Centrão e a direita contra a esquerda na Casa.
O placar da votação (370 a 110), as orientações contrárias ao relatório de Guilherme Derrite (PP-SP) feitas somente pelos partidos governistas e as acusações trocadas após a sessão ilustram o cenário.
O governo federal queria reverter trechos do relatório de Derrite — secretário de Segurança Pública do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) — para proposições do texto original elaborado pelo Ministério da Justiça. Ao longo das negociações, após repercussões negativas, Derrite recuou em alguns pontos e chegou a apresentar seis versões do parecer, mas, na avaliação dos governistas, não era o suficiente.
O PT tentou retirar o projeto de pauta, sem sucesso, e viu líderes da oposição e do Centrão trabalharem para aprovar o texto ainda na terça, como também defendia o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Grande parte dos votos favoráveis ao texto de Derrite veio de partidos com assentos na Esplanada dos Ministérios, como MDB, PDT, PP, PSD, Republicanos e União Brasil.
Se oposição e Centrão tinham se estranhado por conta da atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos Estados Unidos, agora, para parte dos grupos, a defesa do endurecimento da segurança pública é um ativo a ser explorado e que ganha força até as eleições — em especial após o apoio da maioria da população à megaoperação no Rio de Janeiro, criticada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O governo federal tentará modificar o projeto ao decorrer da análise do Senado. Nesta quarta (19), continuou criticando o teor do texto aprovado.
“Precisamos de leis firmes e seguras para combater o crime organizado. O projeto aprovado ontem pela Câmara alterou pontos centrais do PL antifacção que nosso governo apresentou. Do jeito que está, enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei”, escreveu Lula nas redes sociais, por exemplo.
Motta depois publicou, sem citar nomes: “Não se pode desinformar a população, que é alvo diariamente do crime, com inverdades. É muito grave que se tente distorcer os efeitos de um Marco Legal de Combate ao Crime Organizado cuja finalidade é reforçar a capacidade do Estado na segurança pública. Não vamos enfrentar a violência das ruas com falsas narrativas. Precisamos estar unidos neste momento. O governo optou pelo caminho errado ao não compor essa corrente de união para combater a criminalidade. Repito: segurança não pode ser refém de falsas narrativas”.
Após a votação, na própria terça, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), admitiu haver uma “crise de confiança” entre o governo Lula e Hugo Motta, responsável por indicar Derrite como relator.
Ao longo da tramitação, o governo se ressentiu da escolha do relator, da rapidez com que o texto teria sido votado e de uma suposta dificuldade de negociação. Governistas reconhecem que Motta foi eleito à presidência da Câmara com o apoio tanto da esquerda quanto da direita e do centrão, mas avaliam que, por vezes, ele tem feito acenos maiores à oposição do que ao Planalto.
“É claro que tem uma crise aqui de confiança. É claro que todo mundo sabe que o presidente [Lula] reclamou muito… que é uma autoria, um projeto do Poder Executivo. Não é a primeira vez que isso acontece”, disse Lindbergh.
O presidente da Câmara, por outro lado, defende que a Casa não é apenas uma carimbadora de textos.
Essa tensão vem na esteira da crise em torno da derrubada pelo Congresso da Medida Provisória que trazia uma série de reajustes e alternativas ao IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Na ocasião, a proposta foi analisada em um plenário esvaziado durante sessão semipresencial, como agora. O governo reverteu parte da medida por meio do Supremo, mas certa desconfiança perante Motta permaneceu.
Se a relação não está das melhores com Motta, tampouco está com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Lula quer indicar o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, à vaga em aberto no Supremo. No entanto, Alcolumbre prefere o colega Rodrigo Pacheco (PSD-MG). A discordância coloca em xeque a relação consolidada entre Lula e Alcolumbre até o momento, segundo relatos