O Porto de Santos segue como o maior polo de contêineres da América Latina — e o único porto brasileiro entre os 40 maiores do mundo em capacidade de contêineres. Todos os dias, quase 10 mil unidades passam pelo cais santista, conectando proteína, químicos, autopeças, bens industriais e varejo digital ao comércio exterior brasileiro.
Esse fluxo — que historicamente transforma logística em PIB — entra agora em um ponto de inflexão.
O próximo grande salto de capacidade já está desenhado: Tecon Santos 10, novo terminal de contêineres projetado para o cais de Saboó, deve ir a leilão neste ano com potencial de adicionar cerca de 3,25 milhões de TEU/ano ao sistema — incremento próximo de 50% na capacidade instalada atual.
É por causa dessa escala que a discussão deixou de ser sobre o “vencedor” e passou a girar em torno do modelo do edital. Porque, ao contrário do que ocorre em setores nos quais o tamanho de um novo ativo muda pouco a dinâmica competitiva, aqui uma única decisão pode alterar o equilíbrio de forças no principal porto brasileiro por décadas.
Como a modelagem entrou no centro do debate
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) propõe que o leilão seja realizado em duas fases — em uma primeira etapa participariam apenas operadores que ainda não atuam em Santos; em seguida, na segunda rodada, a disputa seria aberta ao mercado em geral. A leitura técnica é que, com esse desenho, o certame não começa desequilibrado: evita-se que o último grande terminal disponível seja usado para reforçar posições que já são dominantes, concentrando o mercado na mão de poucos players.
A International Container Terminal Services, Inc (ICTSI) —player global que opera 33 terminais em 19 países, com 37 anos de atuação e presença no Brasil desde 2001 — defende que essa filtragem inicial seja mantida para aumentar a concorrência durante a vigência do contrato, que pode ser estendida por até 70 anos. Por que concentração importa ao setor portuário
Essa preocupação não é teórica — tem base estrutural.
No segmento de contêineres, quem escolhe o terminal onde os navios atracam não é o dono da carga, mas o armador, que são os donos das embarcações. Quando navios e terminais pertencem ao mesmo grupo, a decisão deixa de ser “competição” e vira decisão interna.
E quando essa integração se torna dominante em um porto, o espaço para rivalidade efetiva se estreita. É exatamente esse o caso de Santos hoje: a maior parte da movimentação de contêineres está concentrada na operação de dois grandes grupos internacionais integrados às principais rotas marítimas globais — um arranjo que naturalmente cria incentivos para preservar posição, não para disputar carga.
A combinação de “último terminal grande disponível” + “mercado já concentrado” + “contrato com efeito de até 70 anos” coloca o Tecon Santos 10 em outra categoria: ele não é apenas mais um pedaço de infraestrutura — é um definidor de mercado.
O que muda até 2050
Em última análise, este é o ponto estratégico: o Brasil não discute apenas o valor de uma outorga — define qual papel quer que o maior porto do país exerça na economia até meados do século.
Para operadores independentes, reguladores, associações de proprietários de cargas e especialistas em defesa da concorrência, o modelo em duas fases cria uma largada isonômica: neutraliza incentivos para que o ativo seja usado como instrumento de fechamento de mercado, estimula entrada de novos operadores globais e de novas companhias marítimas que hoje têm acesso muito limitado a Santos, dá previsibilidade ao setor e ancora uma lógica de competição sustentada, não pontual. Na prática, o que se decide agora não é apenas a entrada de um novo terminal — é se o Brasil quer mais equilíbrio competitivo no porto que sustenta a maior parte da pauta logística do país.
Os números do Tecon Santos 10
- 3,25 milhões TEU/ano de capacidade
- +50% de capacidade adicional ao Porto de Santos
- 622 mil m² de área
- Contrato de 25 anos (efeitos possíveis até 70 anos)
- Valor estimado do contrato: cerca de R$ 44 bilhões