Considerado o quarto elemento fundamental dos circuitos eletrônicos — ao lado do resistor, do capacitor e do indutor —, o chamado memristor (combinação das palavras “memória” e “resistor”) é um componente capaz de variar sua resistência elétrica e manter essa informação mesmo depois de desligado.
Em outras palavras, essa unidade de memória resistiva consegue se “lembrar” da corrente que passou por ela. Isso significa que sua resistência elétrica muda dependendo da quantidade e direção da corrente que a atravessou, e, diferentemente da memória RAM, não precisa de energia para manter a informação
Apesar de existirem em forma de protótipos desde 2008, os memristores normalmente requerem processos caros de fabricação e usam valiosos minerais de terras raras. um conjunto de 17 elementos químicos que estão atualmente no centro de crescentes disputas geopolíticas.
Agora, um estudo publicado recentemente na revista científica PLOS ONE propõe substituir todos esses óxidos metálicos — cuja extração e processamento são complexos e caros — por um método simples e acessível: o uso dos popularíssimos cogumelos comestíveis shiitake.
Embora a computação fúngica seja conhecida pelos cientistas desde o início da década de 2010, explica o primeiro autor do estudo, John LaRocco, da Universidade Estadual de Ohio (EUA), a ideia aqui é levar o micélio (massa de filamentos em forma de raiz) “aos seus limites” como sistema memristivo.
Transformando cogumelos em memristores orgânicos

Quando falamos de memristores orgânicos, queremos dizer que eles são feitos de materiais biológicos (como os cogumelos), compostos à base de carbono e biodegradáveis. A ideia é atraente porque esses materiais podem imitar o cérebro humano — já que neurônios também “lembram” de estímulos anteriores — e são energeticamente eficientes.
Para viabilizar o processo, os autores cultivaram cogumelos shiitake (Lentinula edodes) em laboratório. Como meio de crescimento do fungo, utilizaram um substrato nutritivo feito de sementes, germe de trigo e feno, colocado em placas de Petri esterilizadas, com 8 a 10 cm de diâmetro.
Após o crescimento, a equipe desidratou o micélio, preservando a estrutura principal do cogumelo. O processo torna o material estável para uso de longo prazo, endurecendo-o até formar discos rígidos que podem ser manipulados em experimentos elétricos.
Nesses discos secos de micélio, os cientistas espetaram fios e sondas em diferentes pontos, integrando o fungo como um componente eletrônico comum, como se estivessem conectando um resistor ou um LED. Em seguida, aplicaram correntes elétricas de diversas intensidades e frequências.
As tensões variaram entre voltagens de 200 milivolts a 5 volts, e as frequências oscilaram entre 10 Hz (10 vezes por segundo) até 5.850 Hz. Nos testes elétricos, foram aplicadas ondas senoidais (suaves e contínuas) e ondas quadradas (que ligam e desligam abruptamente), para observar como o micélio reagia.
Principais descobertas e aplicações dos memristores de shiitake

Depois de dois meses de cultivo e testes com os cogumelos, os pesquisadores descobriram que, quando usado como memória de curto prazo do computador (RAM), os fungos conseguiram alternar entre estados elétricos (de 0 para 1 ou vice-versa) a uma taxa de até 5.850 sinais por segundo, com cerca de 90% de precisão.
Além desse limite máximo de velocidade, os autores também observaram que, a 10 Hz, o cogumelo atinge sua melhor performance como memristor. Isso representa um comportamento elétrico estável e previsível, com uma histerese (memória do dispositivo) clara, baixo ruído de sinal, maior estabilidade e operação contínua, sem degradação.
Ao contrário dos custosos memristores convencionais, no caso dos fúngicos, “tudo o que você precisa para começar a explorar fungos e computação pode ser tão simples quanto uma pilha de compostagem e alguns componentes eletrônicos caseiros, ou tão complexo quanto uma fábrica de cultivo com modelos pré-fabricados”, afirma LaRocco.
Memristores de shiitake podem revolucionar a chamada computação de borda, beneficiando tecnologias como Internet das Coisas (IoT) e dispositivos vestíveis biodegradáveis. Na exploração aeroespacial, cogumelos oferecem resistência à radiação, leveza e uma dupla função: alimento e componente eletrônico.
Mesmo apontados pelos autores, em um período relativamente curto de estudo, como “o futuro da computação”, os memristores fúngicos ainda demandam miniaturização e melhorias no processo de fabricação, como moldagem em 3D, contatos elétricos diretos nos discos e métodos de preservação mais duradouros.