O Copom (Comitê de Política Monetária) do BC (Banco Central) decidiu manter a taxa básica de juros em 15%, o maior nível em quase duas décadas.
A permanência da Selic em patamares elevados tem impacto direto sobre setores sensíveis e estratégicos da economia brasileira, como construção civil, indústria e comércio, que dependem fortemente de crédito e de consumidores dispostos a investir.
Em um cenário de juros altos, o serviço da dívida encarece, as despesas financeiras aumentam e o lucro das empresas é pressionado. Com isso, os bancos se tornam mais seletivos na concessão de crédito, dificultando a rolagem de dívidas, principalmente para companhias altamente alavancadas e com dívidas de curto prazo.
Alta da Selic dificulta acesso à moradia
Um estudo da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) aponta que, nos últimos cinco anos, o aumento dos juros retirou cerca de 800 mil famílias do mercado de crédito imobiliário, reduzindo em 50% o público elegível a imóveis de até R$ 500 mil.
“Cada ponto percentual de aumento nas taxas elimina, em média, 160 mil famílias do financiamento”, informou a associação.
Segundo Ieda Vasconcelos, economista-chefe da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), a alta dos juros reduziu a captação da poupança, principal fonte do crédito imobiliário.
Já dados da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) mostram que, até setembro, o total de imóveis financiados com recursos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) chegou a 329,1 mil unidades, redução de 20,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Apesar da desaceleração, o setor mantém geração de empregos: foram 89 mil novas vagas em 12 meses até agosto, o menor patamar dos últimos cinco anos. A CBIC reduziu a previsão de crescimento da construção de 2,3% para 1,3% em 2025.
Juros travam indústria e investimentos
Com crédito caro e restrito, empresas industriais enfrentam mais dificuldade para financiar capital de giro e investir em novos projetos. A produção industrial recuou 0,4% entre agosto e setembro, segundo o IBGE, refletindo o impacto da política monetária.
Estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que 80% das indústrias apontam a taxa de juros como principal barreira para crédito de curto prazo, enquanto 71% citam o mesmo problema no longo prazo. Além disso, o aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) reduziu ainda mais a oferta de crédito e o volume de investimentos.
“Esse efeito atinge especialmente os setores de bens duráveis, como o automotivo, o eletroeletrônico e a construção civil, que dependem diretamente das condições de crédito e do poder de compra das famílias”, afirma João Gabriel Pio, economista da Fiemg.
Consumo em queda e risco de fechamento de empresas
Com os juros altos, o crédito mais caro e a inadimplência em alta, que já atinge 30,4% das famílias, o consumo das famílias tem recuado. Segundo a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), 80% das famílias estão endividadas, e os consumidores têm adiado compras e reduzido gastos.
“Os empresários enfrentam desaceleração nas vendas, aumento de estoques e necessidade de cortes de custos”, afirma Fábio Bentes, economista-chefe da CNC.
Para ele, o atual cenário pode levar ao fechamento de empresas mais vulneráveis, à queda dos lucros e à pressão sobre a geração de empregos. No acumulado até setembro, o setor de comércio criou 138 mil postos de trabalho, queda de 21,3% em relação a 2024, um reflexo direto da desaceleração da economia.
“Os consumidores estão retraindo gastos e a confiança futura na situação financeira caiu drasticamente. O cenário pode levar ao fechamento de negócios mais vulneráveis e a uma pressão contínua sobre a rentabilidade do setor como um todo”, conclui Bentes.