A Operação Contenção foi uma megaoperação conjunta das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, realizada na última terça-feira (28), nos complexos do Alemão e da Penha, na Zona Norte da capital fluminense, atuação mais letal da história do estado.
A megaoperação, até agora, deixou 119 mortos — 115 civis e 4 policiais, segundo o governo do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pelas forças de segurança do estado em uma coletiva no início da tarde desta quarta-feira (29). Especialistas debatem como operação poderia ter tido uma letalidade menor.
A Praça da Penha, na zona Norte do Rio, amanheceu com uma fila de corpos estendidos em uma lona na manhã desta quarta.
Segundo ativistas e moradores, mais de 60 corpos foram retirados pelos próprios cidadãos de uma região de mata do Complexo da Penha durante toda a madrugada. O número atualizado de mortos não consta no saldo oficial do governo do Rio de Janeiro, que disse, na terça-feira, que a operação havia sido finalizada com 64 mortos.
Além dos mortos, 81 pessoas foram presas, incluindo Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão. Ele é apontado como o operador financeiro do Comando Vermelho (CV) no Complexo da Penha e braço direito do chefe da facção, Edgar Alves de Andrade, vulgo “Doca” ou “Urso”.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SESP) e o Governo do Estado, o objetivo principal foi combater a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) e cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes e lideranças criminosas.
O dia da operação foi marcado por intensos tiroteios, com drones policiais registrando criminosos fortemente armados fugindo em fila indiana pela mata da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha.
Em resposta à atuação policial, criminosos do CV também utilizaram tecnologia, sendo flagrados arremessando bombas em uma comunidade através de um drone. O suporte logístico da polícia incluiu, além dos drones, dois helicópteros, 32 blindados e 12 veículos de demolição.
A megaoperação gerou “caos” na cidade. Escolas municipais e estaduais foram fechadas, unidades de saúde suspenderam o funcionamento inicial, e linhas de ônibus tiveram seus itinerários desviados.
Diante dessa situação de guerra, especialistas afirmam que a megaoperação foi “desorganizada e não pode ser considerada um sucesso”. Eles defendem que para o combate ao crime organizado é necessário uma força tarefa e conjunta entre os governos federais, estaduais e municipais.
José Augusto Leal, presidente do comitê de Defesa & Segurança da Câmara Britânica de Comércio e Indústria no Brasil (Britcham) disse à CNN Brasil que é necessário operações conjuntas para esse combate.
Augusto aponta que a megaoperação teve restrições por ter a participação apenas da polícia das forças estaduais. Ele defende que para ter operações efetivas, é necessário um planejamento e ação conjunta entre todas as policiais federais, estaduais e municipais.
“O enfrentamento desse tipo de estrutura exige ações coordenadas e de longo prazo, baseadas em inteligência e investigação. O confronto armado é, no final do dia, a menos eficaz das alternativas”, diz o especialista.
Para ele, o caminho mais efetivo é o investimento em investigação, na apuração dos responsáveis e do uso da tecnologia para dificultar a comunicação entre grupos criminosos.
Se a gente chegar nesse nível de coordenação, não tem nenhuma chance dessa bandidagem enfrentar o poder público.
Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública também defende Combate ao crime organizado deve ser feito de forma interfederativa.
O ministro explica que o crime organizado evoluiu muito nos últimos anos e “está altamente sofisticado”. Lewandowski também defende a PEC da Segurança Pública como meio de alcançar esse objetivo. Ele exemplifica a Operação Carbono Oculto, iniciada em 2023, como um sucesso.
O enfrentamento se faz com inteligência, com planejamento e com coordenação entre as forças.
Leandro Stoliar, analista, também defende mais cooperação entre os governos contra facções.
Stoliar diz que a megaoperação de terça (28) não teve o planejamento necessário, e por isso teve “mortes desnecessárias”. Ele afirma que uma operação como esta “é como se a polícia enxugasse gelo”, sem resolver o problema.
O analista enfatiza que o armamento do Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, vem de outros locais, como a fronteira do Brasil com o Paraguai, ou por rota no Porto de Santos. Ele diz que é necessário uma coordenação entre as forças para interceptar essas armas, por exemplo.
Natália Pollachi, diretora de projetos do Instituto Sou da Paz, defende ações preventivas.
Além de também defender a cooperação entre forças para operações mais efetivas, Pollachi afirma que na organização dessas ações são necessárias prevenções para menor letalidade. “As operações policiais, quando necessárias, precisam ser muito melhor planejadas e muito mais cirúrgicas”.
A diretora explica que precisa-se de ambulâncias e unidades de atendimento de emergência nas proximidades, para atender os feridos o mais rápido possível. Ela também critica o uso de tiros de helicópteros, que podem ser imprecisos.
Uma operação com tantos mortos, tanto civis quanto policiais, não pode ser considerada um sucesso no Brasil. O país não tem pena de morte.
Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa, também defende ação coordenada contra facções.
Raul aponta que “é assustador como o crime organizado cresceu”, e citou a utilização de drones para ataques, que precisa ser combatido. O ex-ministro ainda afirma que operações policiais são necessárias, mas sempre com um o planejamento.
É como trazer a guerra da Ucrânia e da Rússia pra cá.
Rodrigo Pimentel, ex-capitão do Bope, defende combate no território das facções para evitar exploração e extorsões
O ex-capitão explica que o crime organizado não trabalha mais apenas no tráfico de drogas. Agora, eles ocupam territórios e exploram a população. Para ele, é necessário um esforço federal para essa luta.
O estado do rio, e vários estados da federação, esgotaram suas capacidades de enfrentamento a dinâmica de conflito armado.
Daniel Hirata, sociólogo e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da UFF (Universidade Federal Fluminense), defende atuação nas bases do controle territorial armado.
Hirata explica que o Comando Vermelho expandiu muito nos últimos 4 anos — e que é necessário conter, logo, essa expansão. Para isso, ele defende investigações com inteligência para enfrentar a facções. O sociólogo afirma que os faccionados têm linhas de sucessão. Por isso, mesmo com um número expressivo de mortes, os traficantes serão substituídos.
As operações policiais, como as de hoje, tem caráter eventual, e elas não tem a sustentabilidade para garantir o real enfrentamento do controle territorial armado.
Rafael Alcadipani, professor da FGV e especialista em segurança pública, diz que fação só pode ser combatida com articulação nacional..
O professor defende a criação de uma unidade federal “antimáfia”. Ele diz que a recuperação do território tomado pelas facções e pelo narcotráfico é de “extrema urgência” e só será possível com a junção de força e inteligência do Brasil todo.
Alcadipani ainda acrescenta: “O que incomoda dessa operação de hoje, é que não está dentro de uma lógica de uma política de segurança pública. Parece mais que é um espasmo isolado que é feito, que no fim, não vai ter efeitos.”
*Sob supervisão de Thiago Félix