Após dois anos de uma guerra que destruiu a Faixa de Gaza, o território palestino começa a pensar na possibilidade de reconstrução com o atual acordo de cessar-fogo.
Porém, essa não será uma tarefa fácil. A grande quantidade de escombros – cerca de 55 milhões de toneladas –, explosivos não detonados e o limite na ajuda enviada ao território palestino são apenas algumas das dificuldades no futuro próximo.
Em entrevista exclusiva à CNN Brasil, Tamara Alrifai, diretora de comunicações da UNRWA (agência da ONU para refugiados palestinos), abordou a complexidade da situação na Faixa de Gaza.
Questionada sobre qual é o maior desafio para a reconstrução de Gaza, Alrifai respondeu: “Acho que para a comunidade internacional concordar com um plano para Gaza e para que esse plano seja parte de uma solução política. Portanto, não se trata apenas de reconstruir os prédios de Gaza”.
Ela chama atenção para os recorrentes conflitos envolvendo o território palestino há décadas, ressaltando que, após os combates, houve financiamento para reconstruir os prédios e ajudar a população a voltar para suas casas – por mais que não tenha sido na escala que será necessária atualmente –, mas que isso nunca foi feito dentro de uma solução política.
“O maior desafio a longo prazo é não repetir a reconstrução de prédios e depois voltar para a guerra porque a construção não fez parte de uma discussão política e de um acordo político”, ponderou.
Fome e entrada de ajuda humanitária
Alrifai pontuou que falta de tudo na Faixa de Gaza, mas o ponto mais urgente é a entrada de alimentos e outros suprimentos.
A fome foi decretada em Gaza pela primeira vez em agosto deste ano, afetando mais de 500 mil pessoas. À época, as agências da ONU destacaram que essa situação precisa ser revertida “a todos os custos”.
O atual acordo de cessar-fogo diz que 600 caminhões com ajuda humanitária deveriam entrar em Gaza diariamente. Entretanto, Israel informou à ONU que diminuiria pela metade essa quantidade após o Hamas não conseguir entregar todos os corpos de reféns que morreram.
A diretora da UNRWA afirmou que, na semana passada, entre 150 e 250 caminhões entraram por dia no território palestino.

Além da entrada dos suprimentos, é necessário também garantir a qualidade desses alimentos e um plano correto de distribuição à população afetada pela fome.
“Pouquíssimas frutas e vegetais entraram em Gaza desde o início da guerra. A comida que entrou em Gaza durante a guerra foi muito limitada em diversidade. E o impacto no corpo das crianças foi muito visível”, comenta.
“Meus colegas, os médicos da ONU, ficaram alarmados nos últimos seis meses para ver o impacto [da fome]. Esse impacto é reversível se houver alimentos nutritivos entrando em Gaza, e essas crianças forem lentamente trazidas de volta a uma dieta não saudável para não chocar seus corpos”, adicionou.
Habitações destruídas
Imagens da Faixa de Gaza revelam que quarteirões inteiros foram destruídos. Palestinos compartilham nas redes sociais o retorno aos locais onde eram suas casas, encontrando, em muitos dos casos, escombros.
Segundo a UNRWA e o Ocha (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários), mais de 90% das unidades habitacionais estão destruídas ou danificadas em Gaza.
À CNN Brasil, Tamara Alrifai chamou atenção para este número, ressaltando que, até que os prédios sejam reconstruídos, essas pessoas também precisam de “soluções intermediárias” – ou seja, lugares para ficar temporariamente.

“A maioria das 2 milhões de pessoas em Gaza está desabrigada neste momento porque suas casas foram destruídas e elas foram deslocadas. Precisamos de barracas, precisamos de cobertores, precisamos de qualquer coisa para a vida diária, mas também de remédios, suprimentos médicos”, destacou à CNN Brasil.
A diretora também alerta para a proximidade do inverno na região, aumentando a pressão para que os suprimentos necessários entrem no território palestino e para que sejam construídas moradias – mesmo que temporárias.
Escombros e dificuldade de locomoção
Com a destruição, outro desafio em Gaza é a locomoção dentro do território.
São mais de 55 milhões de toneladas de escombros, além de munições não detonadas e estradas destruídas, o que trava a chegada de suprimentos em algumas regiões.
Alrifai destaca que isso representa um “desafio enorme” para os grupos de ajuda.
Colapso nos serviços públicos
Os constantes bombardeios e ordens de desocupação afetaram o cotidiano da Faixa de Gaza.
Além das residências, escolas e hospitais também foram atingidos – segundo Israel, os ataques foram feitos contra integrantes do Hamas que usavam esses locais como esconderijo ou centros operacionais.
“Tínhamos mais de 300 prédios que usávamos como escolas, centros de saúde e centros de assistência social para refugiados palestinos. Todos eles foram atingidos durante a guerra e todos precisam de reconstrução”, revela a diretora da UNRWA

Segundo Alrifai, a agência dava aula para 300 mil meninas e meninos.
“Quando a guerra começou, transformamos essas escolas em abrigos. E muitas delas foram atingidas durante a guerra. Então, elas precisam de reabilitação ou reconstrução”, adicionou.
À CNN Brasil, a diretora também ressaltou que o conflito deixou problemas de ordem pública.
Maior agência no território palestino, a UNRWA também gerencia a maior parte dos resíduos sólidos, o que geralmente seria um serviço prestado por uma administração municipal, por exemplo.
“Há um colapso nos serviços públicos em Gaza. E a longo prazo, quero dizer, após a fase de emergência com alimentos e água, é preciso restaurar o setor público”, comentou.
Assim, ela destacou que, no caso de um governo palestino em pleno funcionamento em Gaza, os serviços da UNRWA terão que se fundir com o setor público.