Medo e incerteza: operações de imigração afetam vida dos latinos nos EUA

María Manzano tenta manter a firmeza na voz, mas seus olhos a denunciam. Parada atrás do balcão de sua loja, que já foi um negócio gastronômico próspero e agora mal consegue cobrir as despesas, ela não consegue enxergar o futuro. Tem 70 anos, chegou a Los Angeles nos anos 90, vindo de El Salvador. Foram anos bons, diz ela, mas agora não sabe mais como seguir.

“Não se quer jogar a toalha, mas as coisas estão indo para trás”, diz Manzano em entrevista à CNN. Assim como para ela, para milhares de migrantes nos Estados Unidos a visão do futuro fica sombria e incerta, em meio à dura política migratória da administração de Donald Trump.

Para Manzano, a visão do salão vazio causa angústia. Ela mexe repetidamente com uma grande colher as comidas que preparou no início do dia, quando esperava que aquela fosse uma jornada cheia de clientes. Mas a intensificação das operações migratórias na região fez com que cada vez menos pessoas passassem ali para comprar comida, conta ela. “As pessoas têm medo, não saem porque têm medo de serem presas.”

Um impacto que vai além do momento

O impacto emocional e psicológico das detenções é real, afirma à CNN María Abellón, advogada de imigração e também formada em psicologia. “Para muitas pessoas, seus negócios, sua vida diária mudaram muito, e elas estão limitando onde saem, o que fazem, que interações escolhem ter e quais evitam para tentar evitar qualquer problema”, acrescenta.

Isso afeta não só aqueles que estão sem documentação ou aguardando um processo migratório. Parece impactar particularmente os migrantes latinos em geral, independentemente do seu status migratório, segundo a especialista.

Manzano é residente legal dos Estados Unidos e chegou ao país pouco depois dos 30 anos. Em Los Angeles, a esperava sua irmã e, pouco depois, conseguiu seu primeiro emprego como funcionária em uma padaria.

Desde 6 de dezembro de 1999, dia em que inaugurou sua própria loja, ela se levanta às 4h30 da manhã para abrir ao público às 6h. Amassa pão e prepara comidas caseiras: seu forte são os cafés da manhã, mas muitos clientes iam até seu estabelecimento em busca de seus caldos de galinha ou de peixe.

O presente contrasta com a imagem do passado, os anos bons em que Manzano se aproximava cada vez mais do seu sonho: conseguir economizar o suficiente para ter uma casa própria. “Mas não deu certo, porque tive que ir tirando para sobreviver com tudo isso que estamos passando”, diz ela.

O golpe econômico se soma ao medo

Esse plano para o futuro, como o de muitos outros imigrantes, teve que ser adiado porque ela mal consegue pagar o aluguel do seu estabelecimento e precisou fazer dívidas para pagar suas funcionárias, conta. “Estamos lutando, mas não dá,” diz.

Mãe solteira de três filhos, Manzano se casou nos Estados Unidos com quem hoje é seu marido. Graças a ele, o negócio consegue sobreviver, diz ela: “Ele se encarrega de pagar o aluguel e me ajuda, mas eu digo que ele também não pode continuar colocando todo o dinheiro aqui.”

Embora ela seja residente legal, também tem medo de que as autoridades de imigração entrem em seu negócio. Medo também porque, nos próximos meses (ou semanas), terá que tomar uma decisão: fechar a loja ou continuar tentando. E se decidir fechá-la, como seguir?

A pesquisadora e especialista em processos migratórios Leticia Calderón analisa que as medidas migratórias de Trump certamente terão um impacto a longo prazo nas pessoas.

“Isso vai afetar muito as pessoas, emocionalmente é devastador”, diz ela à CNN.

“Sentem que estão sendo assediados”

As especialistas apontam outro fator que, sem dúvida, agrava a situação da comunidade hispânica. “Muitas pessoas saíram de seu país de origem fugindo de circunstâncias de perseguição política, mudanças ambientais, passaram por traumas para chegar aqui, e agora estão enfrentando mais traumas. É a insegurança de se sentir em uma situação completamente instável”, explica Abellón.

É o caso de uma mãe venezuelana de 29 anos que mora em Nova York. Semanas atrás, ela contou à CNN que enfrentava um momento de extrema dificuldade: seu marido foi detido em maio durante uma operação migratória, apesar de ter o benefício do TPS (Status de Proteção Temporária) e casos de asilo pendentes.

A mulher relata que, embora a detenção não tenha sido violenta porque eles seguiram todas as orientações, seus filhos presenciaram toda a situação. Desde então, disse ela, não esquecem: sonham repetidamente com o ocorrido e manifestam medo de que o mesmo aconteça com ela. Ela contou que o medo de sair era tão grande que chegou a pensar em deixar de levar os filhos à escola.

“Imagine as separações que isso cria e realmente o impacto nas famílias. O que acontece com essa família se for separada? Há pessoas que realmente sentem que estão sendo assediadas, veem a imigração em cada esquina e sentem que a vida está desmoronando”, analisa Abellón.

O futuro de crianças e jovens está em risco

Crianças, adolescentes e comunidades escolares inteiras estão em situação de vulnerabilidade devido ao medo de deportação após o retorno de Trump à Casa Branca e o endurecimento das medidas contra migrantes.

Relatórios recentes e depoimentos coletados pela CNN mostram o impacto da política migratória em algumas escolas, especialmente no Vale Central da Califórnia e em Los Angeles, mas também em outros estados dos EUA.

As operações migratórias locais se expandiram “drasticamente” nos Estados Unidos durante os dois primeiros meses de 2025 e coincidem com um aumento do absenteísmo escolar, aponta um relatório de Thomas Dee, professor da Universidade de Stanford, que, em colaboração com dados coletados pela universidade, avaliou o contexto em cinco distritos escolares da região nos últimos três anos.

“Os resultados indicam que as recentes operações migratórias coincidiram com um aumento de 22% no absenteísmo escolar diário, com aumentos particularmente acentuados entre os alunos mais jovens”, diz a análise, que também destaca o impacto dessas medidas no estresse e desenvolvimento infantil, bem como nas oportunidades de aprendizado.

Em Los Angeles, há meses percebem nas escolas e na comunidade o “impacto social e emocional negativo” das operações de imigração, disse à CNN María Miranda, vice-presidente do ensino fundamental do

“Os resultados indicam que as recentes operações migratórias coincidiram com um aumento de 22% no absenteísmo escolar diário, com aumentos particularmente acentuados entre os alunos mais jovens”, diz a análise, que também destaca o impacto dessas medidas no estresse e desenvolvimento infantil, bem como nas oportunidades de aprendizado.

Em Los Angeles, há meses percebem nas escolas e na comunidade o “impacto social e emocional negativo” das operações de imigração, disse à CNN María Miranda, vice-presidente do ensino fundamental do UTLA, sindicato dos professores de Los Angeles.

Medo, estresse e dificuldades para aprender são as consequências que os professores já notam em seus alunos.

Viver com a ameaça constante de que um dos pais seja preso ou deportado pode afetar as possibilidades de aprendizado devido aos efeitos negativos do estresse, aponta a pesquisa.

A KIND, organização sem fins lucrativos que oferece apoio integral em casos de migração infantil, disse à CNN que registrou várias situações de menores que “têm muito medo de ir à escola, mesmo apresentando documentos que comprovam que seus casos estão pendentes”.

Esse contexto também traz outras consequências mais amplas, que atingem professores, turmas e comunidades escolares inteiras, que ainda desconhecem o impacto real que as políticas migratórias do governo terão no futuro.

“Estamos absolutamente preocupados com a forma como as crianças estão internalizando o que está acontecendo. Se uma criança está preocupada porque seus pais não estão trabalhando como antes por medo das operações, não tem comida na mesa, tem medo de que levem seus pais e até mesmo que ela própria seja deportada, é muito difícil que nessas condições ela consiga aprender”, afirmou Miranda.

Fundamentalmente, vamos ver sequelas nas crianças e nos jovens, diz Abellón. “Há uma estatística que indica que um em cada 12 crianças corre o risco de ser separado de algum ente querido. (…) As crianças são o nosso futuro, mas estamos impactando todas elas de tal forma que sentirão sequelas.”

Uma crise pior que a pandemia

É provável que, assim como aconteceu com a pandemia de Covid-19, as sequelas dessas medidas migratórias fiquem mais claras nos próximos meses ou anos, analisam as especialistas.

“Isso é pior do que na pandemia porque, mesmo lutando, as pessoas sempre compravam de alguma forma. Agora não compram nem para comer aqui, nem para levar,” diz Manzano. Ela conta que soube que vários de seus clientes habituais foram detidos em operações.

No âmbito econômico, alguns estudos já colocam o impacto das operações migratórias no mesmo nível da pandemia ou até da Grande Recessão. O endurecimento das medidas de controle migratório do governo Trump teve um “efeito disruptivo” na economia da Califórnia, a quarta maior do mundo, segundo uma análise do Centro Comunitário e Laboral da Universidade da Califórnia em Merced.

No caso de María, ao impacto econômico soma-se um grande fator emocional: “Tenho carinho porque aqui trabalharam meus três filhos,” diz ela enquanto caminha pela cozinha do seu negócio.

O futuro que enxerga é sombrio. Manzano diz que não acredita ser possível conseguir outro emprego na sua idade, apesar de sentir que está capacitada para trabalhar, assim como fez desde que chegou a Los Angeles há mais de 30 anos.

“Eu considero que sei bem o meu ofício de fazer pão, mas nas padarias não olham para o quanto você trabalha, e sim para a sua idade. Eles veem que você é velho e não querem mais contratar,” diz.

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