A Operação Spare, realizada na última quinta-feira (25), revelou um complexo esquema do PCC (Primeiro Comando da Capital) de lavagem de dinheiro com postos e distribuidoras de combustíveis, lojas e motéis no estado de São Paulo.
A iniciativa do MPSP (Ministério Público de São Paulo) em parceria com a Receita Federal tinha como principal alvo Flávio Silvério Siqueira, conhecido como Flavinho, suspeito de lavar dinheiro do crime organizado por meio de postos de combustíveis há mais de duas décadas.
Em uma arte, a Receita destrinchou o esquema do PCC para a lavagem de dinheiro em SP. Os núcleos do esquema eram “Flavinho” e a fintech BK Bank, segundo o MPSP.
O órgão aponta que Flavinho está ligado a uma extensa rede de postos de combustíveis usada para lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. A estrutura foi identificada a partir da concentração de empresas de um único prestador de serviço que controlava cerca de 400 postos — sendo 200 vinculados diretamente a Flavinho e seus associados.

A complexa rede criminosa era usada para lavar o dinheiro ilícito que, segundo a investigação, era proveniente da exploração de jogos de azar. Inicialmente, os recursos ilícitos eram transferidos para motéis, postos de combustíveis, empreendimentos imobiliáros (lojas) e empresas de fachada.
O Ministério Público aponta que, em seguida, o dinheiro era transferido por “clientes” para o BK Bank, que realizava uma “contabilidade paralela” para lavar o dinheiro. Ao receber as transferências, a fintech mantinha os valores em uma “conta-bolsão”, em nome da própria fintech, em um banco comercial. Ou seja, se o “cliente” transferisse um dinheiro para um terceiro, o valor saíria desta conta-bolsão do BK Bank, o que quebrava o real fluxo financeiro, segundo o MPSP.
A partir desta quebra, o cliente pode enviar os valores para qualquer empresa ou pessoa sem deixar qualquer rastro da transação. O MPSP afirma que isso torna o BK Bank um “buraco negro” para operações financeiras.
“Uma vez que determinado ‘cliente’ envia o dinheiro para a BK Bank, esse valor é misturado com os valores de outros ‘clientes’ e enviado para terceiros, sem qualquer identificação contábil, fato que torna a BK Bank extremamente atrativa para o livre trânsito de valores ilícitos“, aponta o órgão.
Os “clientes” mencionados pelo MPSP são empresas de toda a cadeia produtiva de combustíveis e dos citados na investigação, inclusive Flavinho.
Segundo a autarquia, os alvos da Operação Spare trabalhavam com o mesmo sofisticado esquema revelado na Operação Carbono Oculto, deflagrada no fim do mês de agosto. A investigação aponta até relacionamentos entre alvos das duas operações e destaca a centralização da movimentação dos valores ilícitos no BK Bank.
Recursos ilegais eram inseridos no setor formal por meio de empresas operacionais. Isso acontecia por meio de dinheiro em espécie e por maquininhas via fintechs. Por fim, os recursos lavados eram reinvestidos em negócios, imóveis e outros ativos, por meio de Sociedades em Conta de Participação (SCP).
Ao final da operação, promotores e auditores-fiscais cumpriram 25 mandados de busca e apreensão e apreendeu quase R$ 1 milhão em espécie, 20 celulares, computadores e uma arma de fogo.
Em nota, o BK Bank informou que não foi alvo de nenhum mandado de busca e apreensão na última quinta-feira (25). Leia abaixo na íntegra:
“O escritório Fernando José da Costa Advogados, responsável pela defesa do BK Bank, informa que não foram cumpridos mandados de busca e apreensão em endereços vinculados à instituição de pagamento. Ressalta, ainda, que, o BK Bank é regulado e autorizado pelo Banco Central do Brasil, não possuindo qualquer relação com o crime organizado ou com as pessoas apontadas como investigadas. A instituição reafirma, por fim, que vem colaborando integralmente com as autoridades competentes”.
60 motéis e 267 postos no esquema
A Receita Federal identificou ao menos 267 postos ainda ativos que movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024, mas recolheram apenas R$ 4,5 milhões em tributos federais — o equivalente a 0,1% do total movimentado, percentual muito abaixo da média do setor. Também foram identificadas administradoras de postos que movimentaram R$ 540 milhões no mesmo período.
A atuação do grupo, no entanto, não se restringia ao setor de combustíveis. Por meio de pessoas relacionadas, o principal alvo também operava lojas de franquias, motéis e empreendimentos na construção civil.
Mais de 60 motéis foram identificados, a maioria em nome de “laranjas”, com movimentação de R$ 450 milhões entre 2020 e 2024. Esses estabelecimentos contribuíram para o aumento patrimonial dos sócios, com distribuição de R$ 45 milhões em lucros e dividendos. Um dos motéis chegou a distribuir 64% da receita bruta declarada. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema – um deles distribuiu R$ 1,7 milhão em lucros após registrar receita de R$ 6,8 milhões entre 2022 e 2023.
As investigações revelaram ainda o uso de SCPs para construção de empreendimentos imobiliários, especialmente prédios residenciais em Santos, durante a década de 2010. Como os sócios ocultos dessas sociedades são mantidos em sigilo, não é possível determinar quantas ainda estão em poder dos alvos. Com base em uma sócia ostensiva comum, estima-se que ao menos 14 empreendimentos movimentaram R$ 260 milhões entre 2020 e 2024.
Aquisição de bens de luxo
Com os recursos obtidos por meio do esquema, os alvos da operação adquiriram imóveis e bens de alto valor, diretamente ou por meio de empresas patrimoniais e de fachada.
Entre os bens estão um iate de 23 metros, inicialmente comprado por um dos motéis e depois transferido a uma empresa de fachada, que também adquiriu um helicóptero; outro helicóptero (modelo Augusta A109E) foi comprado em nome de um dos investigados; um Lamborghini Urus adquirido por empresa patrimonial; além de terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões. Estima-se que os bens identificados representem apenas 10% do patrimônio real dos envolvidos.
A Receita Federal também detectou um padrão de retificação de declarações de Imposto de Renda: declarações antigas e recentes eram retificadas no mesmo dia, com inclusão de altos valores na ficha de bens e direitos da declaração mais antiga – próxima à decadência – sem a correspondente inclusão de rendimentos e pagamento de imposto, o que configura mais uma tentativa de indicar origem para patrimônio adquirido com recursos sem origem e não tributados.
Usando desse artifício, membros da família do principal alvo aumentaram seu patrimônio informado de forma irregular em cerca de R$ 120 milhões.