Cientistas usam dentes de dinossauro para reconstituir o ar pré-histórico

À medida que aumentamos drasticamente os níveis de dióxido de carbono na atmosfera, maior é a necessidade de aperfeiçoamento dos nossos modelos climáticos. Um dos instrumentos fundamentais — o chamado paleoclima — fornece pistas do clima planetário antes da existência de instrumentos meteorológicos.

Ao tentar entender a variabilidade natural do clima terrestre, os paleoclimatólogos enfrentam um desafio complexo: quantificar os níveis antigos de CO₂ atmosférico. Agora, com um método inovador, uma equipe de pesquisadores utiliza dentes de dinossauros como “cápsulas do tempo” climáticas.

Publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), o estudo desenvolveu uma espécie de “arqueologia atmosférica”, a partir desse material fossilizado, fornecendo a primeira leitura precisa de como era a atmosfera quando dinossauros dominavam um planeta muito mais quente.

Realizada por pesquisadores das universidades de Göttingen, Mainz e Bochum, da Alemanha, a análise de isótopos de oxigênio no esmalte dentário dos répteis do Mesozoico (há 252 a 66 milhões de anos) mostrou que as concentrações de CO₂ na atmosfera eram muito maiores do que as atuais.

Essa preservação ocorre, pois, durante a vida do animal, o oxigênio que ele respira e ingere (via água e alimentos) é usado pelo corpo para formar tecidos, incluindo o esmalte dentário. Altamente mineralizado, esse material é resistente à alteração pós-morte, guardando uma assinatura isotópica do oxigênio da época.

Como os isótopos de oxigênio ficam preservados nos dentes?

Ao inalar o oxigênio, os dinossauros incorporavam as proporções isotópicas do ar em seu esmalte dentário • Thomas Tütken/Divulgação
Ao inalar o oxigênio, os dinossauros incorporavam as proporções isotópicas do ar em seu esmalte dentário • Thomas Tütken/Divulgação

Variantes do oxigênio, os isótopos não são fabricados por seres vivos, mas existem há bilhões de anos e se formaram antes mesmo de a Terra existir. Antes da vida, as proporções isotópicas eram determinadas apenas por processos físicos e químicos: evaporação, condensação e outras reações inorgânicas.

Mas, quando a vida desenvolveu a fotossíntese, criou uma nova forma de alterar as proporções de isótopos na Terra, pois as plantas processam mais facilmente o oxigênio-16 (¹⁶O) porque ele é o mais leve, tendo apenas 8 nêutrons. Essa “preferência” se tornou uma ferramenta para estudarmos o clima do passado.

Durante a fotossíntese, as plantas consomem CO₂ e água, liberando oxigênio na atmosfera. Como preferem processar o oxigênio-16 mais leve, o O₂ produzido carrega essa assinatura isotópica específica. Assim, quanto mais CO₂ disponível, mais intensa a fotossíntese, o que altera as proporções atmosféricas de forma mensurável.

Uma vez que os dinossauros inalavam esse oxigênio com proporções isotópicas que refletiam a atividade vegetal da época, o gás circulava no sangue e se incorporava ao esmalte dentário durante a mineralização, preservando uma assinatura isotópica permanente do ar mesozoico.

Quando analisadas hoje, essas proporções fossilizadas de ¹⁶O, ¹⁷O e ¹⁸O no esmalte são comparadas com padrões conhecidos de fracionamento. Como diferentes níveis de CO₂ também determinam as temperaturas globais, os cientistas podem calcular as condições climáticas que sustentavam a fotossíntese há milhões de anos.

Resultados e implicações futuras do uso do esmalte dentário fossilizado

O pó de esmalte dos dentes de dinossauros preserva assinaturas isotópicas originais • Sauriermuseum Aathal
O pó de esmalte dos dentes de dinossauros preserva assinaturas isotópicas originais • Sauriermuseum Aathal

Há 150 milhões de anos, no Jurássico Superior, o ar era carregado com cerca de quatro vezes mais dióxido de carbono do que antes da era industrial. Milhões de anos depois, já no Cretáceo Superior (há 73-66 milhões de anos), essa concentração era três vezes maior que os níveis humanos pré-industriais.

Os autores detectaram assinaturas químicas incomuns em dentes fossilizados de Tyrannosaurus rex e Kaatedocus siber. Uma variação nos isótopos de oxigênio sugere picos de CO₂, provavelmente ligados a erupções vulcânicas gigantescas nos planaltos de Deccan, na Índia, que liberaram gases e calor no fim do Cretáceo.

O estudo representa uma revolução na paleoclimatologia, pois o pó de esmalte dos dentes de dinossauros preserva assinaturas isotópicas originais. Sua análise permite estimar temperaturas e a composição atmosférica de eras passadas com alta precisão, revelando mudanças climáticas profundas.

Essa técnica inédita supera os métodos tradicionais, fazendo uma conexão direta entre os vertebrados terrestres e o clima antigo. Mesmo com limitações causadas por alterações químicas após a fossilização, oferece dados confiáveis sobre CO₂ e fotossíntese do Mesozoico.

Em comunicado, o principal autor do artigo, Dingsu Feng, da Universidade de Göttingen, ressalta a utilidade de usar esmalte dentário fossilizado para estudar a atmosfera da Terra primitiva e a produtividade da vegetação terrestre e marinha. “Isso é crucial para nossa compreensão da dinâmica climática de longo prazo”, conclui.

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