Dois importantes grupos israelenses de direitos humanos acusaram Israel de “cometer genocídio contra os palestinos em Gaza”, tornando-se as primeiras organizações desse tipo a fazer tal afirmação.
A organização B’Tselem disse em um importante relatório divulgado, nesta segunda-feira (28), que chegou a essa “conclusão inequívoca” após um “exame da política de Israel na Faixa de Gaza e seus resultados horríveis, juntamente com declarações de altos políticos e comandantes militares israelenses sobre os objetivos do ataque”.
Um segundo grupo israelense, PHRI (Médicos pelos Direitos Humanos de Israel), anunciou que se juntaria à B’Tselem para qualificar as ações de Israel em Gaza como genocídio.
O PHRI publicou uma análise jurídica e médica a parte documentando o que chamou de “extermínio deliberado e sistemático do sistema de saúde em Gaza”.
O porta-voz do governo israelense, David Mencer, rejeitou o relatório.
“Temos liberdade de expressão neste país, mas rejeitamos veementemente essa alegação”, disse ele a repórteres, acrescentando que Israel permitiu a entrada de ajuda humanitária em Gaza.
Israel tem consistentemente argumentado que está agindo de acordo com o direito internacional e que sua guerra em Gaza após os ataques mortais do Hamas em 7 de outubro de 2023 é de legítima defesa.
Quando outros grupos não israelenses acusaram anteriormente o país de cometer genocídio ou atos genocidas, o governo israelense reagiu com raiva, rejeitando veementemente as declarações e, muitas vezes, respondendo com alegações de que as acusações são baseadas em antissemitismo.
O B’Tselem disse no relatório de 79 páginas que a realidade em Gaza “não pode ser justificada ou explicada como uma tentativa de desmantelar o regime do Hamas ou suas capacidades militares”.
Ao anunciar as conclusões do relatório, a diretora executiva da B’Tselem, Yuli Novak, afirmou que “nada nos prepara para a constatação de que fazemos parte de uma sociedade que comete genocídio. Este é um momento profundamente doloroso para nós”.
“Mas, como israelenses e palestinos que vivem aqui e testemunham a realidade todos os dias, temos o dever de dizer a verdade com a maior clareza possível: Israel está cometendo genocídio contra os palestinos. Nosso genocídio tem contexto”, disse Novak.
O grupo disse que o ataque de Israel a Gaza inclui assassinatos em massa — tanto em ataques diretos quanto por meio da criação de condições de vida catastróficas — destruição em larga escala de infraestrutura, destruição do tecido social, prisões em massa e abuso de detidos e deslocamento forçado em massa, incluindo tentativas de limpeza étnica.
A B’Tselem acrescentou que declarações feitas por altos funcionários israelenses “expressaram intenção genocida durante” o conflito.
O grupo disse que o relatório foi baseado em dados coletados nos últimos 20 meses, incluindo informações sobre “milhares de casos” supostamente cometidos pelas forças israelenses contra palestinos em Gaza, Cisjordânia, Jerusalém Oriental e território israelense.
O grupo disse que usou suas próprias informações, bem como dados externos coletados por organizações rigorosamente verificadas.
O PHRI acrescentou que as evidências reunidas indicavam um “desmantelamento deliberado e sistemático do sistema de saúde na Faixa de Gaza e de outros sistemas vitais para a sobrevivência da população”.
“Não se trata de danos colaterais da guerra, mas de uma política deliberada que visa prejudicar a população palestina como um grupo”, disse o PHRI em um comunicado.
Mas, embora a B’Tselem diga que o governo israelense é responsável pela situação em Gaza, ela também acusou a comunidade internacional de permitir o genocídio.
“Muitos chefes de Estado, particularmente na Europa e nos EUA, não apenas se abstiveram de ações efetivas para impedir o genocídio, mas o permitiram — por meio de declarações afirmando o ‘direito de autodefesa’ de Israel ou apoio ativo, incluindo o envio de armas e munições — o que continuou mesmo depois que a Corte Internacional de Justiça decidiu que havia ‘risco plausível de que as ações de Israel equivalessem a atos genocidas’”, afirmou.
O grupo disse que a sensação de medo, raiva e desejo de vingança que muitos israelenses sentiram após os ataques terroristas de 7 de outubro serviu como “terreno fértil para incitação contra os palestinos em geral, e os moradores de Gaza em particular”.
O Hamas e seus aliados mataram 1.200 pessoas, incluindo crianças, e sequestraram outras 251 para Gaza durante o ataque — o pior ataque terrorista contra Israel desde a criação do país.
O relatório da B’Tselem surge em um momento em que aumenta a pressão sobre Israel em relação à situação catastrófica em Gaza.
Imagens de crianças morrendo de desnutrição aguda provocaram indignação global, com Reino Unido, França e Alemanha afirmando na semana passada que a crise era “causada pelo homem e evitável”.
Ao mesmo tempo, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está sob pressão de todos os lados internamente – com protestos exigindo o fim da guerra e a libertação de todos os reféns crescendo em força e frequência, e membros de extrema direita de sua coalizão ameaçando derrubar o governo se ele encerrar o conflito.
Nesta segunda-feira (28), os presidentes de cinco das principais universidades de Israel publicaram uma carta aberta a Netanyahu, levantando preocupações sobre a crise em Gaza.
“Juntamente com um segmento crescente do público israelense, observamos com choque as cenas angustiantes que surgem diariamente em Gaza, onde a fome e as doenças continuam ceifando a vida dos mais vulneráveis”, disseram os líderes da universidade.
Eles acrescentaram que ficaram “consternados” com as declarações de alguns políticos que “defendiam a destruição intencional de Gaza e o deslocamento forçado de sua população civil”.
Primeiro grupo israelense a denunciar genocídio
Embora a B’Tselem seja a primeira organização israelense a acusar o governo de genocídio, vários grupos, organizações e governos internacionais chegaram às mesmas conclusões ou a conclusões semelhantes no passado.
As acusações sempre provocaram reações, dada a sua gravidade e as sensibilidades em torno do uso da palavra genocídio, que é definida pela Convenção das Nações Unidas para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio como “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
O Comitê Especial das Nações Unidas disse em novembro passado que a conduta de guerra de Israel em Gaza era “consistente com as características de genocídio”, incluindo baixas em massa de civis e o uso da fome como arma.
A Human Rights Watch acusou Israel de cometer “atos de genocídio” contra os palestinos em Gaza ao privá-los de suprimentos adequados de água em dezembro passado, enquanto a Anistia Internacional disse, na mesma época, que havia “evidências suficientes” para concluir que havia genocídio no território.
O governo da África do Sul entrou com uma ação judicial contra Israel na CIJ (Corte Internacional de Justiça) em dezembro de 2023, acusando o país de cometer genocídio em Gaza. A Irlanda se juntou ao caso da África do Sul no início deste ano.
O principal tribunal da ONU ordenou que Israel tome “todas as medidas” para evitar um genocídio em Gaza, em uma decisão sobre o pedido da África do Sul por medidas de emergência, que funcionam como uma ordem de restrição enquanto o tribunal considera todos os méritos do caso de genocídio, uma ação que pode levar anos.
Vários israelenses proeminentes também fizeram a mesma acusação, incluindo o renomado especialista em genocídio Omer Bartov, que escreveu um artigo de opinião no New York Times dizendo que sua “conclusão inevitável é que Israel está cometendo genocídio contra o povo palestino”.
O historiador israelense Lee Mordechai fez uma observação semelhante no início deste mês, reunindo um banco de dados do que ele disse serem exemplos de crimes de guerra de Israel em Gaza e dizendo que as evidências que ele viu “indicam que um dos objetivos mais prováveis de Israel” era “limpar etnicamente a Faixa de Gaza”.
* Dana Karni, da CNN, contribuiu para a reportagem